MEMÓRIA DO PAISAGISMO NO BRASIL: Vivenciado pelo Eng. Agr. Rodolfo Geiser atuando em paisagismo 2

Autor: Rodolfo Geiser - Data: 08/03/2019

PARTE DOIS.

"A importância do macropaisagismo".

EM 1964. PÓS FORMATURA.

Quando me formei, estava muito cansado por trabalhar e estudar ao mesmo tempo, mas logo meu primo Emilio Reichert, engenheiro, me chamou para um jardim dum prédio que tinha construído e me apresentou seus clientes e assim continuei, sem maior reflexão, como engenheiro agrônomo paisagista.

ESTADÃO.
Logo em 1964, armei-me de coragem, escrevi um artigo e fui procurar o Doutor Jorge Bierrenbach de Castro, engenheiro agrônomo, Editor do "Suplemento Agrícola" do jornal "O Estado de São Paulo". Ele aceitou a proposta e tornei-me colaborador do Suplemento, o primeiro artigo "O paisagismo requer bases científicas" foi publicado em 27 de maio de 1964, cinco meses após minha formatura.

Fiquei, assim, ao lado de outros professores catedráticos da ESALQ, como o Eurípedes Malavolta, o que me proporcionou uma espécie de "status" como paisagista. Escrever no SA do Estadão abriu-me portas e clientes.
Um dia recebi um bilhete lacônico do Prof. Bardi, então diretor do MASP-Museu de Arte de São Paulo: "Gosto de seus artigos. Venha visitar-me, Abr". Devo ter escrito algo como uns 80 artigos nos cerca de dez anos que se seguiram. O tema geral era "Paisagismo" envolvendo o que aprendera como agrônomo e os conhecimentos de Roberto Cardozo.
Assim, fui parar no Suplemento Agrícola ao lado do colega Hermes Moreira de Souza, da Secção de Floricultura e Plantas Ornamentais do IAC. Muito de minha carreira devo ao Estadão.

1º Seminário "O homem e a paisagem paulistana"/IAB.

Igualmente em 1964, o IAB-SP (Instituto de Arquitetos do Brasil, subsede de São Paulo), realizou o Primeiro Seminário sobre "O homem e a paisagem paulistana". Estavam, apelando pela Memória, uns 300 participantes; 95% arquitetos.
Fui na AEASP- Associação dos Engenheiros Agrônomos do ESP, falei com o José Calil, então Presidente e disse que não poderíamos estar ausentes. Calil entendeu. Em consequência, fomos além de mim, o Professor Wether S. Montenegro, que ensinava "Paisagismo" na Cadeira de Horticultura na ESALQ, o Edgard Fernandes Teixeira interessado em floricultura e jardinocultura e ex editor do SA do Estadão, o Eng. Agr. Moyses Chaimovich Diretor do departamento de Parques do IF- Instituto Florestal do ESP, que então fazia parte da Secretaria da Agricultura do ESP, e o Victor del Mazzo.

Apresentei um trabalho "O que é paisagismo" e junto com o Montenegro "O papel das escolas de Agronomia no ensino do Paisagismo". A meu ver o IAB-SP, através desse Seminário, sem utilizar a palavra "Paisagismo" lançou na sociedade paulistana e brasileira a questão da categoria profissional "Arquiteto Paisagista".

Além de nós estavam presentes, entre outros, geógrafos (Aziz Ab"Saber), sociólogos (Florestan Fernandes"), o artista plástico e paisagista Waldemar Cordeiro nosso querido FLAVIO DE CARVALHO. Até esses dias, não o conhecia nem sabia de seu trabalho e posturas. Flávio me criticou tanto, mas tanto, que ao levantar-me para responder, percebi um leve sorriso em seus lábios e, convidei-o para ir "conversar na rua". Com isso acabou a sessão do dia. Flávio levantou-se, veio em minha direção e me deu um forte abraço. Ganhei um amigo.

Infelizmente Montenegro certamente também (como Roberto Cardoso, acima) não conseguiu sensibilizar a Diretoria da ESALQ, da importância do ensino do paisagismo na Escola. Isso no sentido de ampliar-lhe o escopo, dar-lhe maior importância e amplitude, envolvendo tanto parques e jardins, como a paisagem em escala regional, esta, tão vinculada a nossa profissão através de uma de nossas atribuições básicas, qual seja, o correto manejo dos recursos naturais renováveis. Juntamente o trabalho de projetar através do desenho em prancheta.

Caímos novamente da questão levantada acima, sobre a sensibilidade do engenheiro agrônomo às questões da paisagem; estas não teriam nenhuma importância face aos interesses "produção" e "rentabilidade financeira" tidos como prioritários.

A palavra "fruição".
Desse Primeiro Seminário, ficou marcada em minha mente, a colocação do artista plástico paisagista, Waldemar Cordeiro: "Paisagem não se aprecia. Paisagem se frui".
Ou seja, a paisagem, o jardim, o parque não são simplesmente uma obra a ser visualizada e apreciada pela visão. A paisagem é algo que atinge todos os cinco sentidos humanos: além da visão, o olfato, o paladar, a audição e o tacto. O perfume de uma flor, o odor da maré; o sabor dos frutos; o farfalhar das folhas e ramos pela ação do vento; as folhas lisas e ásperas (pilosas), os espinhos, a textura dos ramos. Esses cinco sentidos levam-nos ainda à reflexão de que tal "entendimento de fruição da paisagem" e tudo o mais que se refere ao ser humano, conduz também à evolução da alma e ao aprimoramento espiritual de cada um de nós e do conjunto da humanidade.

A diferença entre visualizar e fruir torna-se, assim, um importante critério a nortear a elaboração de um projeto de paisagismo.
Todos esses fatores, desde o manejo dos recursos naturais renováveis até a composição dos espaços, e incluindo o toque de Roberto Coelho Cardoso, nos leva à:

REGRA - Para o "Paisagismo", a criação de espaços verdes - com a utilização da vegetação -, é postura de essência. "Paisagismo é organização de espaços". E não pode ser confundido com mero arranjo de plantas. Paisagismo não é decoração. Embora possa vir a ter componentes ornamentais e decorativos.
A estética no "Paisagismo" deve estar forçosamente vinculada à aspectos funcionais e aos espaços verdes criados em harmonia com a paisagem do entorno.

O INÍCIO. Essa época dos anos 1964 em diante, foi importante para mim, no que se refere à evolução do paisagismo macro, que passamos a denominar de macropaisagismo. A atuação na escala do quilômetro: foi a época de grandes obras rodoviárias em especial no Estado de São Paulo, a começar com a Rodovia dos Imigrantes e a Rodovia litorânea Rio-Santos, todas em serra.
Em 1967, ocorreram também grandes tragédias ambientais, no caso acidentes de deslizamentos geológicos em consequência de fortes chuvas, na Serra do mar em Caraguatatuba e nos morros do Rio de Janeiro. Em um único ano, somadas, 1.146 mortes e 207 desaparecidos.
Enchentes e deslizamentos de terra em Caraguatatuba em março de 1967 e vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/tragedia-no-rio-o-maior-desastre-natural-do-pais

Grandes obras, chuvas com riscos de deslizamentos chamaram a atenção para a necessidade de obras de contenção, revestimento vegetal e reflorestamento de encostas. Todos, governo e iniciativa privada, começam a se compenetrar dessas necessidades. Surgem regulamentos em obras.

Pensando em obrigatoriedade de revestimento vegetal em obras de terraplanagem e locais de difícil acesso, surgiram empresas de hidrossemeadura, quando se lança as sementes no solo misturadas em jatos de água. Surge assim um imenso campo de projetar a macropaisagem, quando interessa também uma base de geomorfologia, de manejo dos recursos naturais renováveis, do manejo de bacias hidrográficas, tudo aliado e integrado com uma preocupação de organização de espaços, qualidade visual e urbanização.

Foi nesse contexto, que o então "proprietário" da Ilha das Cabras, Ilhabela, SP, em 1969, me convidou para elaborar um projeto de Paisagismo e Regeneração da Vegetação da ilhota.
O projeto começou a ser implantado em 1968. Os resultados saltaram a vista de todos. O projeto tornou-se uma espécie de "modelo de pensar o macro e a paisagem e sua reconstrução" e tornou-se o mais conhecido e reconhecido de nosso escritório. O mais emblemático. Trabalhamos com os poucos conhecimentos existentes na época, enfrentando falta de pesquisas e de legislação de apoio.

Auepaisagismo: Vi no seu site a foto do projeto da Ilha das Cabras, como foi? O que foi feito?

Projeto de Paisagismo e regeneração da cobertura vegetal - Ilha das Cabras, Ilhabela, SP, de 1967/1968.

Seu proprietário sensibilizou-se com a tragédia de deslizamentos da Serra do Mar em Caraguatatuba e procurou-nos para reabilitação me regeneração da vegetação através de um projeto de paisagismo. Elaboramos um projeto baseado nos dados existentes que eram muito pouco.

Não havia o levantamento plani-altimético cadastral da vegetação, afloramento de rochas. O plano foi mais de um zoneamento com tipos de vegetação a ser utilizada. Em função da presença muito grande de afloramentos de rochas e solo muito raso (quando existia) iniciamos a implantação do projeto com o cultivo de espécies de leguminosas anuais para melhoramento do solo, no caso, espécies de Crotalaria.

A produção verde por dois anos foi sendo incorporada ao solo e serviu de base para o plantio da vegetação projetada. Esse Projeto da Ilha das Cabras tornou-se "modelo de pensar" nossa atividade, tanto para a macropaisagem como para a micropaisagem. Abaixo algumas fotos de antes e de depois.


Foto da Ilha das Cabras, antes e depois, em 1967 e 1992, decorridos 25 anos. Projeto de nosso escritório.


Foto. Detalhe da área da ilhota em 1968. Observe-se a declividade elevada e risco de erosão.


Foto.- Observe-se a declividade da superfície, o afloramento de rochas e a reduzida camada fértil de solo, antes do início dos trabalhos de paisagismo e revegetação.


Foto.- Situação em torno de 1991, em parte de ensaio da fotógrafa Graça Aguiar. A superfície inteiramente revegetada.


Foto.- Situação em torno de 1991, em parte de ensaio da fotógrafa Graça Aguiar. Parte mais elevada com gramados, coqueiros e arbustos.


Foto.- Situação em torno de 1991, em parte do ensaio da fotógrafa Graça Aguiar. Vegetação luxuriante e caminhos internos.

Nesse contexto de grandes obras surgiram: A Rodovia dos Imigrantes em 1972, a Rodovia Rio-Santos (1972) e a Rodovia dos Bandeirantes em 1978. Acompanhei à distância as duas primeiras e na terceira tivemos participação mais ativa, como engenheiro agrônomo consultor.
Ainda jovem não tinha vós ativa nenhuma. E fiquei muito triste que, no caso da Rodovia dos Imigrantes, a empresa construtora, contratou um instituto de pesquisas norte americano e não brasileiro para acompanhar e elaborar pesquisas de revestimento vegetal.

O "IRI- International Research Institute" prevaleceu sobre entidades brasileiras, que ficaram marginalizadas, tais como o IAC- Instituto Agronômico de Campinas, cuja parte de floricultura e paisagismo (vamos assim dizer) era liderada pelo eng. agr. Hermes Moreira de Souza. Ou então a própria ESALQ através da Cadeira de Horticultura. O técnico norte americano do IRI, foi muito gentil comigo e diversas vezes me convidou à acompanhá-lo.

No caso da Rodovia dos Bandeirantes (inicialmente Rodovia Norte-Sul) entre São Paulo e Campinas, fomos contratados como consultor de paisagismo e agronomia, nossa atuação foi mais dirigida à macropaisagem e, nessa linha, a um correto manejo dos recursos naturais renováveis. Estabelecemos o seguinte:

REGRAS:

I.- Antes de iniciar uma terraplanagem, raspar a camada fértil de solo, e armazená-la para posterior reutilização no revestimento vegetal. Como se sabe, o SOLO é um patrimônio, pois demora décadas para se formar e é indispensável para uma cobertura vegetal saudável;

II.- Preservar ao máximo a cobertura vegetal existente, em especial a arbórea e de matas primárias e secundárias, pois estas já têm atuação na proteção do solo, absorção das águas das chuvas e se constituem num depositário imenso de diversidade biológica, vegetal e animal. Essa preservação ocorreu principalmente entre São Paulo e Jundiaí, com topografia mais acidentada, preservando a faixa entre "a linha de off set" e a divisa com a faixa de domínio, o que não vinha ocorrendo normalmente naquela ocasião. Vejam as fotos abaixo.

III.- Obrigatoriedade de revestimento vegetal nas áreas desnudas não utilizadas, imediatamente após a realização das obras de terraplanagem, tendo em vista a proteção do solo, evitar a erosão e consequente assoreamento da hidrografia. .


Foto.- Observe-se que a vegetação da paisagem vai até a beira da crista do talude que, basicamente, corresponde à linha de off set. Além das vantagens ecológicas e paisagísticas há economia de custos pois não é necessário revegetar.


Foto: A mesma situação da foto anterior, agora vista da superfície: a preservação da mata vai até a beira da crista do talude.

Finalizando, tal visão de manejo dos recursos naturais renováveis, incluindo a inclusão dos dispositivos do Código Florestal, serve para qualquer tipo de ocupação da paisagem, seja para agricultura, urbanização, circulação, mineração e similares.

Gostou? Aguarde o próximo capítulo! Cada vez melhor!


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O macropaisagismo e o"entendimento de fruição da paisagem" tudo que se refere ao ser humano, conduz também à evolução da alma e ao aprimoramento

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