MEMÓRIA DO PAISAGISMO NO BRASIL: Vivenciado pelo Eng. Agr. Rodolfo Geiser atuando em paisagismo 5
Autor: Rodolfo Geiser - Data: 01/06/2019
PARTE CINCO.
Qual é a sua visão do fazer paisagístico de hoje? O que mudou no Paisagismo?
Penso que é uma arte e técnica que muitos podem fazer. Qualquer simples amador pode fazer seu jardim e ou de um amigo. Basta ter conhecimentos básicos e sensibilidade. Entretanto, na medida em que uma obra vai requerendo maior informação técnica, que requer reflexão cada vez mais profunda, vai requerer também maior e melhor formação profissional. Que, de início, escolas de nível médio podem perfeitamente fornecer.
Projetos mais amplos, de maior dimensão, vão requerer formação profissional de nível superior. Até o ponto central da posição de nosso escritório: projetar em coautoria de arquiteto e engenheiro agrônomo. Alguns projetos vão requerer proporcionalmente maior preocupação com vegetação enquanto que, outros, vão exigir uma maior proporção de arquitetura.
Sobre a formação do arquiteto paisagista e do profissional paisagista. Para entender meu pensamento quanto a essa indagação, tenho primeiramente de expor minha posição quanto à formação do Arquiteto Paisagista a nível universitário, que é aquela mencionada acima, do Professor Coelho Cardozo em base a uma carga horária de 3 anos de Horticultura e 3 anos de Arquitetura. Um total, portanto, de seis anos. Poderiam ser 5= 2,5 + 2,5. Nesse sentido nada mudou no Brasil: temos "paisagismo" ensinado em escolas de agronomia e de arquitetura, baseado numa reduzida carga horária, que não satisfaz em nenhum dos dois casos as necessidades de um profissional de nível universitário.
Igualmente, desde o século XIX até hoje, não temos uma escola oficial de JARDINAGEM a nível médio no Brasil com carga horária em torno de três anos de estudo. Temos cursos livres, que ajudam certamente, alguns dados por nós na década de 1970. Temos os do SENAC. Essa é uma das mudanças que está ocorrendo, cujo processo ainda não se finalizou com o aprimoramento de escolas superiores de paisagismo, macro e micro. E mais, alicerçadas em pesquisas técnicas, científicas que forneçam base cada vez mais aprimorada para a elaboração de projetos. Tal como existem na Alemanha desde o final do século XIX.
Por exemplo, no caso do tema "Horticultura": praticamente não existem pesquisas científicas de cultivo sobre o uso de plantas ornamentais ou de introdução de novas espécies, em especial nativas, para uso em paisagismo no Brasil.
Lembrando que nosso país tem climas equatoriais, tropicais e temperados estes nas partes mais elevadas. E acontece a situação absurda de espécies nativas do Brasil, serem levadas para o exterior, terem melhoramento genético e em seguida exportadas novamente para o Brasil. Ou seja, importamos o que é nosso! Exemplos: petúnias, nativas do sul e a "Bermuda Grass" que nada mais é que nossa grama seda.
Agora, imaginem o potencial que temos de novas espécies que poderiam ser aprimoradas geneticamente e utilizadas em paisagismo. Lógico que estamos utilizando espécies nativas tal como encontradas na natureza, tais como helicônias e marantáceas. Mas algumas necessitam ser forçosamente aprimoradas geneticamente: tornarem-se mais rústicas, menos exigentes em tratos e mais adaptadas à locais de sombra.
E, ai ,veja-se novo absurdo: não existe pesquisa de espécies nativas para uso na revegetação de taludes consequentes dos processos de urbanização e áreas alteradas por mineração e terraplanagem, e adaptadas às condições de adversidade de tais superfícies.
E o que utilizamos? Utilizamos as mesmas espécies de gramíneas e leguminosas utilizadas para pastagem e forrageiras. Graças a isso, que o capim braquiária, tornou-se uma espécie invasora em nosso país: utilizado em taludes de estradas, espalhou-se por todo país através dessas mesmas vias de circulação. Tudo de maneira descontrolada.
O cultivo de plantas de sombra deve ser mais científico, conhecendo-se em quantidades de "lux", até as condições mínimas de cultivo. Enfim, temos de batalhar por dados e espécies mais conhecidas em condições de tratos culturais adversos.
LIVROS E PUBLICAÇÕES; HOJE.
De início, desde minha formação, eu podia recorrer também, pessoalmente, à conhecidos, tais como colegas do IF- Instituto Florestal SP, em especial o José Carlos Boelinger Nogueira, que atuava no Horto de Baurú e, claro, ao Hermes Moreira de Souza. Hermes escreveu assiduamente no "Suplemento Agrícola" e no "Suplemento Feminino" do Estadão, artigos sobre espécies que observava, coletava e estudava.
No caso de nosso escritório, tudo isso era ainda pouco para atender meus anseios; criar um sistema de espécies, um modelo de pensar para a especificação em nossos projetos de paisagismo.
Somente em 1977 o José Carlos Boelinger Nogueira, publicou "Reflorestamento heterogêneo com essências nativas", Boletim Técnico nº 24, do IF, baseado em sua experiência num repovoamento no Rio Jaguarí, em Cosmópolis, na Usina Ester, iniciado em 1955.
O primeiro "Arvores Brasileiras" do Harri Lorenzi, que se tornou um salto efetivamente qualitativo nas informações, foi publicado para minha referência pessoal somente em 1992. Vinte e nove anos após minha formatura.
Nesses últimos quase vinte e cinco anos até hoje, Harri continua publicando livros sobre árvores e demais espécies ornamentais através da Editora Plantarum, em Nova Odessa, SP, o que se constitui num volume de informação botânica fantástico para todos brasileiros.
Entretanto, pesquisas mais profundas como as expostas mais acima, ainda continuam uma necessidade suprema. Temos de convir que reconhecer uma planta através de uma foto não significa saber cultivá-la. Muito pelo contrário. E mais, que vamos cultivá-la ao lado de outras espécies, o que vai tornando tudo mais complexo. O que, aliás, é o que justifica uma carga de 2,5 à 3 anos de HORTICULTURA na graduação do paisagista de formação universitária.
E outros tantos anos parta a questão da "organização dos espaços" que é o tema da Arquitetura.
Indispensável de ser mencionado, o "Dicionário das Plantas úteis do Brasil" de M. Pio Correa (1874/1934), cientista brasileiro de reconhecimento internacional, editado pelo Ministério da Agricultura do Brasil, em 1927 e 2ª edição em 1984. Com fotos, desenhos, interessantíssimo, 6 volumes, com cerca de 4.500 páginas. Contém informações muito úteis de diversas espécies, incluindo ornamentais e utilizadas em floricultura. Infelizmente raríssimo de ser encontrado.
Ainda a formação do paisagista.
Mas a lacuna de não haver escolas de nível médio e superior para o ensino do paisagismo continua uma grande lacuna no Brasil. Escolas que ensinem, pesquisem, criem modelos de pensar, forneçam vivência com plantas, seu cultivo e tratos.
Lamentavelmente, existe no Brasil, uma rivalidade muito incômoda entre agrônomos e arquitetos que fazem paisagismo, cada um no sentido de valorizar sua profissão. Podemos classificar isso como uma rivalidade "política". Muitos arquitetos têm nos contratado para elaborar projetos de paisagismo, portanto essa afirmação não deve ser levada de maneira exagerada.
Além dessa rivalidade, existem muitas pessoas, de outras formações profissionais que atuam como paisagistas, tais como artistas, botânicos, com ou sem formação universitária. Isso cria uma situação, vamos dizer de "indefinição" e ocasiona uma certa confusão que dificulta, a nosso ver, a "confirmação" do paisagista como profissional habilitado para tal e tal trabalho. Esse grupo é muito grande e grande parte está na ANP- Associação Nacional de Paisagistas.
De outro lado, penso que a população brasileira ainda não é "muito" sensível ao paisagismo como necessidade para vida saudável, obra de arte e prática da "Jardinocultura".
Não existe uma mentalidade sensível à prática da jardinagem, exceto, claro, honrosas exceções e habitantes de regiões de maior altitude (no sul do país, RS, SC, serras em SP e RJ). São reflexos dessa falta de mentalidade sensível à jardinagem, a preocupação comum em utilizar espécies "que não sujam", que não perdem suas folhas, tais como as coníferas exóticas.
Resulta o jardim simplificado baseado em pouquíssimas espécies diferentes, que mais se assemelha à uma "escultura" do que uma obra de arte viva que requer atenção no cotidiano, tal como qualquer animal doméstico. O que contraria o princípio ecológico da "diversidade biológica como base para o equilíbrio ambiental".
A conclusão dessa pergunta, a meu ver, é que muita coisa tem de mudar no Brasil para alcançarmos um paisagismo ao nível do europeu e norte americano. Quanto ao que mudou para o melhor, são bons livros, cursos livres de sensibilização, e alguns profissionais fazendo teses interessantes, em especial jovens arquitetos.
Nosso projeto de paisagismo mais emblemático.
Encerrando essa pergunta sobre "o que mudou no Brasil em relação ao Paisagismo" queria comentar que, me parece, de domínio público, nosso projeto mais conhecido é o da Ilha das Cabras, cujas fotos mostramos anteriormente ao responder outras perguntas.
Entretanto, a nosso ver o projeto mais emblemático (e menos conhecido) é o do "Jardim Floresta" do Professor John McNamara e sua esposa Eliana em Ribeirão Preto, SP. É o mais representativo, envolve o macro e o micro, a integração de tudo, a síntese do Paisagismo proporcionando uma integração do homem com a natureza. Uma integração com o ecossistema. Vida espiritual. Isso, tal como o geógrafo holandês J.Benthem explicita: "Paisagem é a comunhão do espaço vital com a vida orgânica".
Abaixo fotos do "Jardim Floresta" dos McNamara. Trata-se de uma obra que eu chamava de "criação de paisagens silvestres", praticamente similar ao que hoje se chama de "Paisagismo Regenerativo", em especial través de nosso colega Eng. Agr. Toni Backes, em Santa Catarina.
Criamos uma floresta em torno da residência, num terreno em torno de 1.000 m2. Nada existia. Começamos do zero, mudas pequenas e, decorridos menos de dez anos, começam a aparecer outras espécies espontaneamente e entre as folhas secas que cobrem o solo, começam a surgir fungos e cogumelos... Com o decorrer dos anos, a manutenção do "Jardim Floresta" reduz-se praticamente à zero. O que nos leva a propor outra regra:
REGRA: Nos projetos de Paisagismo na escala da micropaisagem e principalmente na escala da macropaisagem, devemos planejar pensando que o manejo da vegetação deva tender à AUTOSUSTENTABILIDADE, ou seja, ter custo próximo a zero...
Corolário: Isso, como norma, o Cliente interessado em mais elaboração, assumir manutenção de plantas mais exigentes, cujo extremo está nas floríferas anuais... informaria ao projetista que as consideraria no seu projeto.
Foto. O "Jardim Floresta" nosso projeto para o casal McNamara de Ribeirão Preto, SP. Totalmente arborizado, visto da Rua. As árvores chegam à própria calçada.
Foto. O "Jardim Floresta" ao lado do acesso de automóvel para a garagem.
Foto.- A regeneração da mata, de espécies apropriadas à dimensão da residência. Vista ao lado dos caminhos. Observe-se a formação de "sub bosque".
Foto. Vista de pequeno pátio, sempre ladeada de árvores de pequeno e médio porte quando adultas.
Foto. As árvores cresceram, suas copas avançam sobre o telhado formando um guarda chuva verde. Caminhantes da rua, tocam a campainha e indagam: - Como vocês conseguiram construir essa casa no meio do mato...
Foto.- O "Jardim Floresta" visto da sala de jantar.
Foto.- O terreno do "Jardim Floresta" fica coberto de folhas, que, ao se decomporem, transformam-se em matéria orgânica, regenerando a própria camada fértil de solo.
TESE DE TRABALHO. Em toda essa entrevista e memória, "relações" é palavra chave. Inclui o ambiente, plantas, animais e o próprio homem. E ainda, ecossistemas, sustentabilidade, autossustentabilidade, espiritualidade.
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O Segredo da botânica
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