AuE internacional entrevista a paisagista portuguesa Marisa Vicente Dias
Autor: Camila Fonseca - Data: 12/04/2011
Uma súbita mudança para o Brasil, mais especificamente para a cidade de Porto Alegre (Rio Grande do Sul), fez a Paisagista Marisa Vicente Dias, que é natural de Lourenço Marques (atual Maputo), em Moçambique, começar despretensiosamente na profissão. Do simples interesse amador, surgiu a vontade de aprimorar suas técnicas. Ela começou, então, um curso na cidade de Holambra (São Paulo), e sua paixão pelo paisagismo criou raízes e floresceu.
De projeto em projeto, suas sementes se multiplicaram. Hoje, Marisa acumula um vasto conhecimento e sabe avaliar bem os dois mercados: Brasil e Portugal. Atualmente ela vive em Lisboa (Portugal) e desenvolve diversos trabalhos considerados diferenciados por seu público.
AuE Soluções: De uma forma geral, como se pode comparar o mercado paisagista brasileiro e o de Portugal?
Marisa: Já saí do Brasil faz dez anos, o que me impede um pouco de falar sobre o Brasil. Porém, a nível profissional, só conheço o mercado São Paulo para sul (Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul). Tudo tem a ver com a dimensão do país, número de habitantes e tipologias das habitações - no Brasil, existem mais moradias; em Portugal, mais apartamentos.
Também tem a ver com as escolas: Brasil segue mais os modelos de escolas americanas, enquanto, aqui, é mais a escola europeia. Os jardins são mais formais, embora as pessoas já comecem a gostar de uma certa informalidade na concepção do jardim. Temos sempre a meta de buscar novas idéias e procurar a inovação, tanto a nível do desenho, como a nível de materiais usados ou inertes.
AuE Soluções: Quais são os pontos fortes de cada país?
Marisa: Penso que, no Brasil, temos mais cursos intermédios de Paisagismo e Jardinagem. Em Portugal, ou se tem o curso de Arquiteto Paisagista ou de Jardineiro. Não há meio termo. Para além disso, no Brasil há sempre imensos cursos de reciclagem. Eu mesma estou para ir fazer alguns há já algum tempo, mas, até agora, ainda não foi possível concretizar esse desejo.
Quando cheguei, foi à custa de muito trabalho, de muitas ideias inovadoras e de batalhar muito. Assim, consegui me impor no mercado como Paisagista sem ser Arquiteta. Minha área é de Biologia, e o curso que fiz no Brasil de Paisagismo muniu-me das ferramentas necessárias para conseguir vingar neste meio.
AuE Soluções: Você acredita que o nosso "Gigante Adormecido" (Brasil) já é capaz de exportar recursos e inovações para o setor?
Marisa: Sem dúvida alguma! Eu própria tento sempre estar a par das novidades através do vosso site e outros, para poder, assim, propor aos meus clientes as minhas idéias que todos acham "diferentes". Tanto ao nível da concepção do Projeto, como no uso dos materiais.
Apostar no Tecnológico, na sustentabilidade, na inovação e usar cada vez mais jardins verticais e de cobertura. A ideia é não deixar de plantar! Claro que tudo é uma questão de gosto, mas, o "gosto" educa-se. Portugal tem sido um mercado de crescimento lento, e há muito amadorismo.
AuE Soluções: Qual a maior necessidade dos dois países nesse momento (em relação a infraestrutura e mão de obra capacitada)?
Marisa: Por cá, precisamos muito profissionalizar as pessoas. Em Portugal, há muito amadorismo - pessoas que tentam fazer o nosso trabalho porque pensam que, ao fim de observar duas vezes, já sabem fazer e, depois, acabam por nos chamar para consertar o erro. Isso, a nível de drenagens, sistemas de rega, seleção do elenco das espécies segundo a exposição solar - que não levam em conta nem os ventos dominantes, nem o crescimento da espécie. Enfim, a falta de conhecimentos técnicos que, por vezes, levam o cliente a padronizar o comportamento da nossa classe.
AuE Soluções: Você pensa que o fato de a profissão ser legalmente reconhecida em Portugal e não no Brasil pode distanciar essas duas potências do mercado?
Marisa: Eu achava que no Brasil era mais reconhecida do que aqui. Como havia dito anteriormente, foi uma dura batalha desde 2001. Primeiro, porque as pessoas não queriam investir num profissional e achavam que não tinham de pagar (e por vezes ainda acham) pelos serviços de um Paisagista; daí, chamavam um amador e mandavam fazer o jardim. Felizmente, isso mudou: as pessoas já querem um profissional e aceitam que terão de pagar como em qualquer outro serviço técnico. Os conhecimentos que nós obtivemos a partir da formação acadêmica e da experiência ganha ao longo dos anos nos permite prestar um serviço de qualidade.
AuE Soluções: Quais são as plantas mais usadas em Portugal e no Brasil?
Marisa: No Brasil, o clima propicia usar espécies que, por cá, só se dão bem no interior das casas - caso das Sansevieria, dos Spathiphyllum, das Fatsia e das Bromélias. Aqui, tentamos a todo o custo fazer jardins tropicais, mas o clima, apesar de ser um país de muito sol, o frio, as geadas, as chuvas e todo um conjunto de fatores não ajudam muito.
AuE Soluções: E quais são as espécies mais utilizadas por você?
Marisa: Apesar de eu andar sempre em busca da inovação na seleção das espécies, há sempre algumas (várias) que são garantias de êxito e na facilidade de adaptação aos solos e microclimas locais. São elas: os Nerium oleander, Phormium tenax e rainbow. Pittosporum, Hibiscus, Aloe e Agaves americanas fazem parte da minha lista de preferências. A Fatsia, Agapanthus e Grevillea também, porém essas são espécies mais fáceis de se encontrar no Brasil. Quanto às palmeiras, usamos muito as Washingtonia e as Phoenix.
Uso imensamente os bambus. Como também sou consultora de Feng Shui, o bambu, sendo usado no lugar certo, é utilizado para atrair a Prosperidade. Agora, por aqui também está na "moda" ter-se uma horta com temperos: salsa, coentros, manjericão, Caril, etc.
Houve uma época em que todos os jardineiros queriam plantar uma oliveira (Olea europaea), e daí, para quem não sabe, a oliveira não quer muita água, e imagina onde eles colocavam? No meio dos relvados (gramados). É claro que elas começavam a ficar murchinhas, amarelinhas e morriam afogadas.
Sabe de que meu professor, Gustaaf Winters, chamava esses amadores? "Zés das couves". Temos muito disso por cá. Quem não tem emprego acha que poderá sempre ser jardineiro!
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