A apresentação secundária de pólen
Autor: Marinês Eiterer - Bióloga - Data: 01/09/2007
A função primária da antera é a produção de grãos de pólen. Trata-se, assim, de um órgão doador de gametas. Depois que é produzido e atinge a maturidade, o pólen deve seguir viagem até o estigma, órgão feminino que tem a função de receber o pólen. Lá chegando, e tudo correndo bem, o pólen germinará, formando um tubo - o tubo polínico - por onde o gameta masculino penetrará até alcançar o gameta feminino, que se encontra protegido dentro do óvulo, no interior do ovário. A fecundação do óvulo pelos grão de pólen resulta na formação de sementes (i.e., novos descendentes).
Sair da antera de uma flor e chegar ao estigma de outra não é uma viagem sem riscos, mesmo para esse pacote resistente e durável, que transporta o gameta masculino, chamado grão de pólen. Essa viagem - a polinização - pode durar alguns segundos ou mesmo dias, e cada espécie produz seus grãos de pólens adaptados a essas variações. Para iniciar sua viagem e alcançar seu objetivo, o pólen precisa contar com a ação de algum agente transportador de pólen - i.e., um dispersor.
O vento e a água funcionam como agentes dispersores de pólen para muitas espécies de plantas. O mais comum, no entanto, é que o agente dispersor seja algum animal, como abelhas, besouros, borboletas, morcegos ou beija-flores. Para que esses animais dispersores - também chamados de vetores - cheguem até o pólen, este precisa estar situado em alguma região visível ou facilmente detectável. A principal estrutura da flor que apresenta o pólen ao seu dispersor é a própria antera. Em muitas espécies, a antera se abre longitudinalmente, expondo o pólen aos visitantes. Em outros casos, o animal retira os grãos de pólen através de pequenos orifícios nas anteras. Esse é o caso, por exemplo, de abelhas que vibram agarradas sobre as anteras e, desse modo, têm acesso a pequenas quantidades de pólen. Nesses casos, como o apresentador é a própria antera, dizemos que a apresentação de pólen é primária.
Em muitas outras espécies de plantas, no entanto, nas quais a apresentação de pólen é um processo mais especializado, outras estruturas assumem o papel de apresentador. O pólen continua a ser produzido nas anteras, sendo posteriormente transferido para outra estrutura floral, como filete, estilete ou pétalas, ainda na fase de botão. Essas estruturas possuem adaptações especilizadas para reter os grãos de pólen, como a epiderme recoberta de papilas ou pêlos. A antera mantém sua função primária de produzir o pólen, mas deixa de exercer a função de apresentá-lo. Esse tipo de apresentação é conhecido como apresentação secundária de pólen. Um exemplo familiar em jardins pode ser visto na Giesta (Spartium junceum, Leguminosae: Papilionoideae), na qual o pólen é depositado sobre os filetes da antera, que ficam assim armados como pequenas catapultas. Quando o dispersor toca na flor, o estame desarma e o pólen é lançado sobre ele. Outras plantas de jardim que exibem uma apresentação secundária de pólen são a Cana-da-índia (Canna denudata, C. x generalis, C. limbata; Cannaceae) e as Ixoras (Ixora chinensis, I. coccinea, I. macrothyrsa; Rubiaceae).
Os estudiosos ainda divergem entre si no que diz respeito ao número de famílias botânicas que abrigam espécies com apresentação secundária, mas esse número seguramente está próximo de trinta. O pólen é um investimento caro e de grande valor para a planta, já que armazena o gameta masculino. Por isso mesmo, as principais hipóteses para explicar as funções e a evolução da apresentação secundária de pólen argumentam que tal comportamento poderia ser um modo de minimizar os custos da produção, pois tornaria a polinização um processo mais eficiente e exato; a planta também economizaria pólen, pois na apresentação secundária apenas pequenas quantidades de pólen são apresentadas de cada vez, aumentando assim as chances de que mais de um dispersor transporte seu pólen. Além disso, a apresentação secundária evita que o órgão masculino interfira no funcionamento do feminino e vice-versa.
Aparentemente perfeita, a arquitetura da flor tem lá os seus problemas. Não é à toa, portanto, que ao longo da história evolutiva das angiospermas, as flores têm incorporado mecanismos cada vez mais sofisticados no sentido, ao que parece, de contornar ao menos alguns desses problemas.
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