A Paisagista portuguesa Maria Rute Costa comenta a aplicação do Paisagismo Produtivo em seu país
Autor: Camila Fonseca - Data: 01/06/2011
Saber integrar produtividade à beleza em espaços verdes pode ser uma tarefa extremamente aprazível. No Brasil, o termo "Paisagismo Produtivo", apesar de recente, já é utilizado por diversos profissionais e inúmeros cursos de especialização são oferecidos. Contudo, em Portugal esta expressão é pouco reconhecida, mas muito praticada. Sua linha de atuação atinge a produção de alimentos, plantas para uso medicinal, incluindo conceitos sustentáveis, chegando ao uso racional de energia. Para conhecer sobre esse processo em Portugal e seu mercado, a arquiteta paisagista, formada na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Maria Rute Costa, comenta alguns pontos e explica como é possível aliar produção colaborativa ao deleite do belo e harmonioso.
AuE Soluções: O que é paisagismo produtivo e como ele pode ser aplicado nos espaços?
Maria Costa: A designação "paisagismo produtivo" não é comum em Portugal. Porém, é um termo usado no Brasil, associado relativamente à recente necessidade de tornar os espaços desenhados - em particular espaços verdes de enquadramento em meio urbano - em espaços também produtivos. De tal forma, e adaptando a definição ao contexto e à realidade portugueses, definiria paisagismo produtivo como uma forma de aliar o desenho do espaço e da paisagem a questões estéticas, de conservação da natureza e de qualidade ambiental do meio urbano, à produção de bens alimentares, ou outros associados à vegetação.
Alargando o conceito aos diferentes contextos e escalas a que se pode aplicar, o "paisagismo produtivo" pode reflectir-se à grande escala da paisagem agrícola. E, nesse termo, temos em Portugal o exemplo das paisagens minhotas, em que as folhas de cultura de cereal ou hortícolas são bordejadas por culturas de flores e ramadas de vinhas, e as hortas convivem com ramadas de alegretes, integrando na paisagem fortemente agrícola e produtiva, o carácter de lazer e de beleza paisagística.
Temos as paisagens de masseiras no litoral norte do país, ligadas a formação de solos férteis e microclimas propícios a produção de hortícolas adjacentes a dunas de areia. Assim como temos os montados de sobreiro ou de azinheira desenhando extensas paisagens de planícies no sul de Portugal, de terrenos menos acidentados e clima mais seco e quente. E temos o exemplo do Douro vinhateiro, classificado como património mundial, que é uma paisagem ordenada e desenhada que tem a produção de uvas como principal objectivo. Ao olharmos um território há centenas de anos ocupado pelo homem, explorado em torno das suas necessidades e mais ou menos desenhado, damo-nos conta de como o que cultivamos, comemos ou usamos, dá forma às paisagens humanizadas.
Por outro lado, o paisagismo produtivo também reflecte-se a uma escala mais pequena. A permacultura é um sistema de design que dá respostas à questão de como se pode organizar e desenhar um espaço com o melhor aproveitamento dos recursos locais e tendo em contas as necessidades do homem. Neste caso, vemos o paisagismo produtivo aplicado a quinta de alguns hectares, desenhado por zonas relativas a casa, e a interacção dos elementos naturais de um terreno, ao pequeno jardim de moradia, ou a uma simples varanda nas alturas dos apartamentos urbanos.
Assim, podemos ver o paisagismo produtivo, como, por um lado, o resultado de operações culturais no espaço rural, que caracterizam a paisagem desenhada de hoje. E, por outro, a necessidade de incluir nos espaços desenhados, as funcionalidades da vegetação destinada a produção.
AuE Soluções: Como surgiu esta prática entre os profissionais de Portugal?
Maria Costa: A formação dos paisagistas em Portugal têm origem no ramo da Agronomia. As preocupações sobre a estética da paisagem e a qualidade do espaço público urbano levaram que o professor de agronomia Francisco Caldeira Cabral se formasse em Arquitectura Paisagista na Alemanha, na década de 30, e fizesse acontecer em Portugal o ensino da Arquitectura Paisagista.
Este, veio a integrar conhecimentos relacionados com a ecologia, horticultura, desenho, arquitectura, urbanismo e o planeamento do território. A profissão dos paisagistas em Portugal, desenvolvida com o passar das décadas e moldada pelas necessidades dos tempos, foi se aprofundando numa e noutras actividades. Pode-se dizer que as preocupações relativas à produção, aliada ao desenho da paisagem, têm mais visibilidade a partir da década de 70 com os alertas para a conservação da natureza, e em 82 com a definição da Reserva Agrícola Nacional (RAN).
O paisagista em Portugal depara-se, ainda hoje, com a dificuldade de introduzir a consciência ecológica em decisões territoriais que abrangem um leque diversificado de profissionais de diferentes formações e formas de ver o território, além da paisagem e os recursos naturais. É sua convicção a necessidade de integrar a produção nas paisagens respeitando princípios ecológicos e culturais, de se fomentar a agricultura urbana e a multifuncionalidade dos espaços, tanto rurais como urbanos.
Imagem ilustrativa
AuE Soluções: De que maneira é feita a seleção de espécies? Quais são os critérios avaliados ao desenvolver o projeto em seu país?
Maria Costa:A selecção de espécies no projecto de um jardim é feita de acordo com as condições ambientais presentes no local e os objectivos esperados para o espaço a desenhar. A nível biofísico, o clima da região - definido em linhas gerais pela temperatura e humidade locais, - é determinante nas possibilidades de escolha. A proximidade ao mar, o tipo de solo, a exposição solar, a morfologia do terreno, a exposição ao vento, são factores que dentro da área do projecto podem ter importância nesta selecção.
Existe actualmente uma tendência a escolher plantas autóctones no sentido de promover a biodiversidade local e o equilíbrio dos ecossistemas. No que diz respeito às variedades destinadas a produção, é desejável a preservação das espécies tradicionais e autóctones também, postas em risco com a globalização da agricultura.
AuE Soluções: Os cuidados a serem tomados são os mesmos de um projeto que utiliza plantas ornamentais?
Maria Costa: Não. Os cuidados a ter com uma cultura, seja ornamental ou produtiva, dependem muito da escala do projecto, do local (condições edafo-climáticas), das plantas e requerem diferentes tipos de implantação e manutenção. As culturas de produção pedirão cuidados acrescidos no que toca aos seus ciclos, colheitas e condições ambientais próprias para consumo.
AuE Soluções: Que resultado é esperado ao implantar um projeto de paisagismo produtivo?
Maria Costa: Um projecto de paisagismo que integra a componente da produção, tem como principal objectivo a multifuncionalidade do espaço a favor da sustentabilidade. Seja em espaço rural ou urbano, o paisagismo produtivo serve a necessidade de protecção do solo e das culturas, de qualidade ambiental da paisagens humanizadas e da produção local que traz soberania alimentar aos povos. Ao mesmo tempo, fomenta a coesão social, e a independência económica, permitindo fontes alimentares locais e redes de trocas e comercialização locais.
Para além dos aspectos ambientais, sociais e económicos que possam estar associados, sinto que o paisagismo produtivo, na sua essência, está ligado a um movimento de voltar à terra, voltar às nossas raízes como seres humanos, inter-actores da natureza. Instalado um sistema de produção em que o nosso alimento vem muitas vezes de não sabemos bem aonde nem como - em particular em meios urbanos - chama a necessidade de nos religarmos à fonte: a própria terra. Propondo a produção no nosso quintal, à porta de casa, em comunidades urbanas ou rurais, esta actividade está a abrir oportunidades para essa integração, a meu ver, parte da nossa evolução como sociedade.
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AuE Soluções: Pode haver heterogeneidade de espécies em um só local?
Maria Costa:Com certeza. A produção de plantas de diferentes espécies num mesmo local é recomendada. Seja ao nível temporal, a rotação de culturas - em que uma cultura ocupa o terreno numa parte do ano, substituída por outra cultura (exemplo do milho e do azevém, em que o cereal é substituído pela planta forrageira) - contribuindo para a manutenção do solo e seus nutrientes. Seja o caso das consociações de plantas muito usadas na agricultura biológica e na permacultura, em que diferentes espécies podem ocupar diferentes estratos vegetais e diferentes camadas do solo. Nesses casos, as melhorias no combate às pragas e a infestantes, a competição entre as plantas, ou a complementaridade de consumo e de troca de nutrientes são factores que podem beneficiar as duas ou mais culturas presentes.
AuE Soluções: Em Portugal existe algum curso de especialização para o profissional que tem interesse em seguir nessa área?
Maria Costa: Tal como foi dito na primeira questão, a designação "paisagismo produtivo" não é comum em Portugal e não se encontra esse termo relativo a alguma formação profissional, pelo menos a nível académico. As áreas que mais se aproximam aos temas abordados durante o questionário são a Arquitectura Paisagista e a Engenharia Agronómica.
A primeira formação, embora aprofunde questões de paisagismo e conteúdos da ecologia, está tecnicamente mais focada em espécies ornamentais e ecossistemas naturais destinados ao desenho do espaço público e às paisagens de preservação da natureza. Também trabalha a larga escala do território e as políticas que desenham paisagem, nomeadamente a política agrícola. A disciplina de agricultura está presente na licenciatura e os temas relacionados ao "paisagismo produtivo" têm ocupado as discussões sobre desenho do espaço público, nomeadamente face à crise do contexto actual ambiental e de produção e comercialização de alimentos.
O curso de Agronomia estará muito mais vocacionado para questões técnicas e da ecologia de ambientes de produção de bens alimentares e outros ligados à floresta e aos animais, mas não aprofunda o paisagismo como exercício de desenho da paisagem.
AuE Soluções: Onde esses profissionais podem atuar?
Maria Costa: O arquitecto paisagista pode actuar em variadíssimos tipos e escalas de projecto. Seja em meio rural, urbano, periurbano. Sejam projectos de pequena escala como o espaço público de proximidade, ou o desenho de jardins públicos ou privados, média escala, como projectos de urbanismo, sejam de larga escala como é o ordenamento do território, por sua vez de natureza estratégica. Também em projectos de concepção de espaço ou de recuperação da paisagem. Em qualquer dos casos, o arquitecto paisagista procura servir objectivos de sustentabilidade, actuando com preocupações ambientais, sociais e económicas ao nível do espaço, do território e da paisagem.
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