A Perspectiva do Professor Doutor Affonso Zuin sobre a Vida Acadêmica e Saúde Mental no Paisagismo
Autor: Giulia Wogel - Data: 23/02/2024
A relação do Professor Doutor Affonso Henrique Lima Zuin com o paisagismo teve início durante sua formação em Agronomia na UFV. Na época, ele sentia que não se encaixava tão bem com a agricultura e decidiu explorar outras áreas. Quando descobriu o paisagismo, imediatamente gostou do assunto e utilizou o curso de desenho que realizou na adolescência para colocar em prática suas ideias, já fazendo projetos paisagísticos enquanto cursava agronomia. Após sua graduação, ele continuou com os projetos, trabalhando algum tempo na Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte como projetista das áreas comuns e recintos do parque, além da produção de alimentos para os animais. Ele entrou para o corpo docente da UFV (Universidade Federal de Viçosa) 4 anos depois de formado, lecionando Floricultura e Paisagismo. Foi realizar seu doutorado em paisagismo na Escola de Artes de Edimburgo (Edinburgh College of Art), no Reino Unido, onde pesquisou formas de trabalhar o ensino de paisagismo no Brasil. Alguns anos depois, retornou à Escócia em pós-doutorado, pesquisando junto ao OPENspace Research Centre em questões relativas às relações pessoa — ambiente. Em 2022, Affonso viveu em Roma, Itália, a fim de aprofundar seus conhecimentos em intervenções de saúde baseadas na natureza, com foco em jardins terapêuticos.
Os Programas AuE
A AuE e seus programas o acompanham desde 2000, e atualmente Zuin os utiliza dentro de sala de aula com seus alunos. No ambiente acadêmico, sua ambição é ajudar a turma a conhecer a área do paisagismo não só como uma opção profissional, mas como uma possibilidade de melhorar o mundo ao nosso redor.
"O PhotoLANDSCAPE, por exemplo, tem ajudado bastante os alunos de agronomia e engenharia florestal, que costumam ter mais dificuldades com representação gráfica, a enxergar o que eles não teriam capacidade de desenhar."
"Tanto quando possível a gente encoraja a turma a passear, ver os tutoriais, testar. E quando tem, por exemplo, disciplina que é só projeto, aí eles têm mais oportunidade de testar, então a gente trabalha com o emprego desses programas para os projetos, principalmente o AutoLANDSCAPE."
Saúde Mental e Paisagismo
Para Affonso, a pandemia foi um momento em que todos viram a importância do contato com a natureza para a manutenção da saúde mental do ser humano, pois as áreas verdes que antes estavam sempre disponíveis e não eram tão valorizadas pela população passaram a ter, naquele momento, um significado bem maior que antes. Dessa forma, ele anda trabalhando muito sobre essa questão de como o ambiente externo, principalmente, influencia nosso bem-estar e saúde mental.
Um dos maiores desafios do ensino de paisagismo para Zuin é convencer a turma que o paisagismo vai muito além de resolver problemas estéticos, pois engloba a funcionalidade do espaço e precisa atender as necessidades de quem o ocupa, por exemplo: atividades sociais, busca da sanidade mental e atividades físicas, que são pontos essenciais para nossa saúde em relação ao ambiente.
A Vida Acadêmica
A UFV oferece disciplinas de paisagismo inseridas na grade de três cursos: agronomia, engenharia florestal e arquitetura. Dentre elas, Affonso ministra uma disciplina voltada para os estudantes de agronomia e outra multidepartamental, que funciona em um modelo de ateliê, destinada à prática dos alunos com projetos. Em sua percepção, o que mais diferencia as três formações ao lidar com o paisagismo é a maneira de cada um lidar com a intervenção que o projeto propõe. Assim, é comum que os estudantes de arquitetura encarem o desafio com uma visão mais voltada para a plástica, enquanto os alunos de agronomia e engenharia florestal se preocupam mais com a planta e suas características, deixando de lado muita das vezes a parte funcional e pessoal do ambiente. Com isso, tornou-se um dos objetivos das disciplinas complementar os pontos de vista de cada formação por meio do enriquecedor trabalho em equipe multidisciplinar. Geralmente, no Brasil, um trabalho de paisagismo bem-feito conta com uma equipe variada, pois a graduação em paisagismo não é tão popularizada quanto em outros lugares.
Cada grupo enfrenta desafios diferentes no aprendizado de paisagismo. Os engenheiros e agrônomos têm conhecimento de botânica, cultivo de plantas e boa noção de escala e de topografia, mas têm pouco contato com a linguagem gráfica e com a interação entre pessoa, planta e ambiente. Já os estudantes de arquitetura enfrentam problemas com os fatores que influenciam a vegetação e o entendimento de não ser um elemento apenas plástico, mas vivo.
É fato que atualmente os estudantes têm muito mais acesso aos recursos para o trabalho com o paisagismo do que no passado. Graças ao avanço da tecnologia e disseminação em massa de informação, eles carregam uma certa vantagem em comparação com quem se formava há 20 anos. Por isso, é papel da faculdade ensiná-los a usar essas vantagens, apresentá-los às ferramentas —sem torná-los dependente delas— e a como lidar com as informações.
"Uma das coisas que a gente procura aqui é fazer a turma olhar criticamente para o espaço. Um tipo de exercício que eu dou é: ‘eu estou num lugar. Por que ele está bom? O que está funcionando aqui? Ou se não está bom, o que tem de errado? O que poderia melhorar?’ Para criar essa forma de raciocínio crítico sobre o ambiente, as intervenções e sobre lugares que a gente frequenta a cada dia."
Quando se trata da visão dos estrangeiros sobre a profissão, Affonso afirma que pelo fato de ser uma profissão já regulamentada no exterior, existe uma consciência maior de que certos tipos de trabalho exigem um profissional de paisagismo. Além disso, o pensamento do paisagismo já caminha para algo próximo da psicologia ambiental, por exemplo, ao pensarem como introduzir uma turbina eólica em certo local afetaria a percepção das pessoas na paisagem. Em contrapartida, no Brasil ainda existe certa dificuldade no entendimento de que o paisagismo é resultado de um processo de projeto e planejamento. Até mesmo órgãos públicos muitas vezes não têm essa compreensão.
"…foi feito um projeto para um local, mas numa intervenção seguinte esse projeto é totalmente desprezado e se altera muita coisa sem a noção de que houve um planejamento para ali, então é uma coisa que ainda vejo como um problema."
Ainda, nosso paisagismo parece estar alguns passos atrás em relação a outros lugares, no sentido de que tem se buscado uma natureza mais selvagem dentro das cidades, com a ideia de trazer mais o polinizador, a fauna. Porém, nossa relação com a fauna, principalmente, é complicada, porque temos aqui animais peçonhentos que outros locais de clima mais frio não têm. Por isso, deixar a vegetação crescer naturalmente aqui pode causar medo, enquanto em outros locais é uma forma de abraçar a natureza. O famoso paisagista Burle Marx também defendia essa questão, alegando que nem tudo que cresce espontaneamente ao nosso redor é ruim, pelo contrário, tem muito valor. Uma prova de que não valorizamos a diversidade única do nosso país são os índices da quantidade de espécies nativas disponíveis em viveiros de mudas quando comparadas com a disponibilidade das plantas exóticas.
"A gente tem bons produtores de plantas para paisagismo aqui, e uma das coisas que pode observar é que muitos desconhecem que algumas das espécies que eles produzem e comercializam são nativas da mata atlântica. A predominância no comércio de plantas para uso em paisagismo ainda é de plantas exóticas. Então isso é uma discussão que a gente tem desenvolvido aqui há algum tempo também."
Affonso até pouco tempo atrás fazia parte da coordenação técnica do paisagismo do campus de Viçosa da UFV, que conta com cerca de 1.500 hectares. Hoje ele trabalha com a divisão do meio ambiente da universidade, fazendo projetos para diversas áreas do campus. Sendo assim, a Universidade dispõe da sua própria produção das plantas, de modo que a maior parte do que é utilizado no campus faz parte da produção interna do viveiro e torna-se viável trabalhar cada vez mais com espécies da mata local na composição dos jardins. Contudo, um desafio enfrentado pela gestão é a diminuição da equipe de manutenção e plantio do espaço, que algumas décadas atrás era composta por mais de 70 pessoas e tem, atualmente, cerca de 10 funcionários, devido à redução dos recursos destinados às universidades públicas ao longo dos anos.
Dica para os Iniciantes
Por fim, Affonso diz ser essencial para os iniciantes terem o cuidado de observar criticamente os ambientes e saber dizer as sensações que o paisagismo passa.
"Eu acho que essa observação crítica é um dos maiores professores: você entender e avaliar o ambiente. O que está me trazendo uma sensação boa nesse espaço e de que forma ele poderia melhorar? Um dos exercícios mais importantes, é o ver, sentir e conversar com as pessoas no espaço, ter essa interação com o ambiente e com todos seus componentes."
Créditos
O projeto que ilustra esse artigo foi desenvolvido pelo grupo de estudantes matriculados na disciplina PRE485–Projetos de intervenções paisagísticas para o campus da UFV, no segundo semestre de 2023:
Almir Almeida Alcantara (Agronomia)
Henrique Pacheco Miranda (Agronomia)
Letícia Rosa Vieira de Paula (Agronomia)
Mariana Palma Lima (Arquitetura)
Acompanhados pelos professores:
Affonso HL Zuin (Dep. Agronomia)
Angeline Martini (Dep. Engenharia Florestal)
Jaqueline Leite Ribeiro do Vale (Dep. Arquitetura e Urbanismo)
Assista a entrevista completa
Veja Também:
Experiência, Tecnologia e Identidade no Universo Paisagístico com Alexandre Galhego
Florescendo com o Tempo: Maria Paula Orlando e sua Trajetória de 26 Anos como Paisagista
A Jornada de Aldecy Gonçalves e a Transformação Digital na Profissão de Paisagista
Anterior Próximo