Kongjian Yu: Botânica, Ecologia e a Revolução do “Paisagismo Produtivo”
Autor: Lara Victória do Nascimento Neves - Data: 06/11/2025
Em um cenário global marcado por enchentes recorrentes, ilhas de calor e perda acelerada de biodiversidade, o arquiteto paisagista chinês Kongjian Yu se destacou ao propor uma abordagem baseada na reconciliação entre natureza e cidade. Seu conceito de “Sponge Cities” (Cidades-Esponja) tornou-se uma referência mundial e oferece lições valiosas que dialogam diretamente com a botânica aplicada ao paisagismo ecológico.
Mais do que uma filosofia urbanística, a visão de Yu é um chamado à restauração da relação humana com as plantas e os ecossistemas, um ponto essencial para qualquer profissional de paisagismo ou botânica.
A Base Botânica do Método: Plantas Como Infraestrutura Viva
Ao contrário da ornamentação tradicional, Yu defendia que as espécies vegetais usadas em projetos urbanos devem atuar como infraestrutura ambiental. Isso envolve:
1. Plantas nativas como reguladoras ecológicas:
As espécies locais possuem:
maior adaptação hídrica e térmica;relações ecológicas mais estáveis;menor necessidade de manutenção.
Para Yu, uma cidade resiliente depende de comunidades vegetais completas, e não de espécies isoladas. Ele enfatiza o uso de gramíneas, macrófitas e arbustos de zonas úmidas em áreas sujeitas a inundações, formando sistemas botânicos de absorção, filtragem e desaceleração da água.
2. Fitossociologia aplicada ao paisagismo:
Um dos pilares de Yu era utilizar padrões naturais de associação vegetal. Em vez de plantar espécies “bonitas” em arranjos decorativos, o paisagismo deve respeitar:
sucessão ecológica;estratos vegetais;padrões de competição naturais;dinâmica sazonal.
Esse uso consciente da fitossociologia aproxima práticas botânicas acadêmicas da realidade do projeto urbano.
3. Vegetação como ferramenta de mitigação climática:
Sua abordagem utiliza plantas para:
reduzir temperatura superficial;sequestrar carbono;aumentar permeabilidade do solo;estabilizar margens de rios e canais.
Ou seja, a vegetação não apenas “compõe”, mas resolve problemas.
As “Cidades-Esponja”: Onde Botânica, Hidrologia e Design se Encontro
O conceito fundamental de Yu era simples, mas poderoso:
Cidades devem comportar-se como ecossistemas naturais que absorvem, retêm, limpam e liberam água.
Para isso, ele utiliza plantas específicas para zonas ecológicas:
Em zonas de inundação temporária:
Phragmites australis;Typha spp;Miscanthus sinensis.
Essas espécies filtram poluentes, estabilizam o solo e suportam variações bruscas de umidade.
Em áreas de borda e transição:
Salix spp. (salgueiros);Acer spp.;Arbustos ribeirinhos nativos.
Criam gradientes ecológicos e corredores biológicos.
Em áreas de solo seco e campos abertos:
Gramíneas perenes nativas;Ervas de pradaria;Espécies pioneiras adaptadas ao estresse hídrico.
Esse mosaico botânico replica a naturalidade dos ecossistemas e atua como infraestrutura hidrológica.
Paisagismo que Imita a Natureza: Uma Revolução Estética
Yu criticava o que chamava de “paisagismo vermelho”, caracterizado por manutenção intensiva, uso excessivo de podas geométricas, substituição constante de plantas e baixa funcionalidade ecológica.
Em oposição, promovia o “paisagismo da pele ferida”, onde áreas degradadas são restauradas com vegetação espontânea e processos naturais.
Essa estética naturalista valoriza texturas de gramíneas, variação sazonal, arquitetura natural das plantas e a biodiversidade como beleza.
É uma mudança profunda no modo de pensar o jardim urbano: mais próximo da botânica do que da jardinagem ornamental.
Na proposta de Yu, seus projetos não são simplesmente paisagísticos: são ecossistemas construídos. Para funcionar, dependem de: conhecimento sobre fisiologia vegetal, ecologia de comunidades, tolerância ao estresse hídrico, estratégias adaptativas e interações planta–solo–água.
É botânica aplicada no mais alto grau, transformando cidades em paisagens funcionais capazes de conviver com enchentes, secas e mudanças climáticas.
Conclusão
O trabalho de Kongjian Yu não é apenas paisagismo: é botânica aplicada ao futuro das cidades.
Ao olhar para a vegetação como infraestrutura viva, ele demonstrava que plantas têm um papel direto na resiliência urbana – filtrando água, reduzindo calor, criando habitats e restaurando processos ecológicos essenciais.
Em um momento em que as cidades precisam urgentemente de soluções baseadas na natureza, o pensamento de Yu oferece um caminho claro:
Menos decoração, mais ecologia;Menos controle, mais natureza;Menos concreto, mais botânica.
Referências:
Design Paths to Ecological Urbanism by Kongjian Yu - Comparative Case Studies of Zhongshan Shipyard Park and Tianjin Qiaoyuan Park
Ecological infrastructure leads the way: the negative approach and landscape urbanism for smart preservation and smart growth
Criador das "cidades-esponja"
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