A Prof. e Pesquisadora Regina Célia de Oliveira fala sobre o Reflora e seu trabalho no Kew Garden
Autor: Regina Motta - Data: 13/12/2013
Regina Célia de Oliveira é Doutora em Botânica pela Unicamp, Professora da UNB, especialista em Taxonomia de Gramíneas, coordenou a criação do banco de dados de plantas ornamentais da AuE Soluções e Paisagismo Digital. Está em Londres, desenvolvendo, com outros pesquisadores brasileiros, o trabalho de repatriar as espécies brasileiras que foram levadas para o exterior, desde a época do Descobrimento: o projeto Reflora.
Aue Soluções: Gostaríamos que nos falasse um pouco sobre si, como foi a sua escolha desta bela profissão, suas realizações e projetos.
A escolha foi casual mas, me apaixonei pela taxonomia, logo no início do curso de Biologia. Inicialmente, foi uma atração filatélica mesmo, queria saber os nomes, coletar amostras e montar exsicatas de herbário, cuidando como se fosse uma coleção de selos. As Gramíneas eram as mais difíceis de identificar e, portanto, desafiadoras e de maior valor para mim. Posteriormente, me apaixonei pela beleza pouco óbvia das inflorescências e das plantas como um todo. A frequência, abundância e a notável amplitude de usos, também estimularam meu interesse pois sou uma pessoa prática.
Aue Soluções: Ser professor é uma vocação, se assim não fora, muitos deixariam o ensino, tendo em vista as dificuldades que enfrentam os mestres em nosso pais. Como a senhora vê a sua missão de ensinar?
Particularmente, adoro dar aulas.
| Primeiro, por que o contato com a juventude revigora e as novas idéias e olhares estimulam minha mente, me fazem rever conceitos e aprendo muito ao preparar as aulas. Responder perguntas faz com que possamos pensar por outro ângulo e isso traz descobertas... | | |
O outro lado que os professores têm, e às vezes não gostam de admitir, é o exibicionismo mesmo rsrsrss. Muito bom ter olhos, interesses e ideais compartilhados e espelhados em sua figura, que se posta num "palco", com toda a atenção dos garotos... É minha cartase, momento sem problemas, só ciência e troca. Como sempre dei aulas em curso superior, a troca é intensa já que estamos ensinando e discutindo uma profissão.
Aue Soluções: Este Projeto Reflora nos parece de grande importância. Como está sendo o trabalho de vocês aí? Quais as dificuldades encontradas?
A iniciativa do CNPq de repatriar as imagens e informações dos espécimens das primeiras plantas coletadas pelos botânicos dos séculos XVIII, XIX e XX no Brasil é ímpar e importantíssima para o reconhecimento da diversidade nacional, que é uma das metas da Convenção da Diversidade Biológica.
O projeto focou os herbários Royal Botanic Gardens de Kew (RBGK) da Inglaterra e o Muséum National dHistoire Naturelle de Paris (MNHN) - França. É uma honra e uma grande oportunidade para nós, botânicos e estudantes, participar do projeto pois, o acesso a essas coleções e o repatriamento de imagens e informações, facilitarão projetos futuros, respondem perguntas antigas e atuais pois trazem um cabedal impressionante de informações.
A maior dificuldade é, basicamente, o pequeno número de pessoas para atingir as metas desse projeto hercúleo pois, nos séculos passados, os europeus valorizavam enormemente o trabalho do taxonomista e financiavam ou compravam, a bons preços espécimens de plantas e animais oriundos de outros continentes, assim como se vendem selos e moedas antigas - a filatelia medieval com organismos vivos.... Vários naturalistas ou homens comuns, vinham para as Américas coletar organismos, alguns fugindo dos serviços militares durante a primeira guerra, à busca de sustento ou aventura e por aqui permaneciam 5, 10 ou mais anos, apenas coletando amostras e enviando-as para a Europa. Um verdadeiro "saque".
Aue Soluções: Nossos leitores apreciariam muito se nos contasse um pouco sobre o Kew Garden, a organização, detalhes que a impressionaram, diferenças entre o que temos no Brasil.
Muitos dos herbários do Brasil não deixam a desejar quando comparados aos europeus e, para nós, a tarefa de preservar os espécimens é dificultada pelo clima, que privilegia a proliferação de insetos e fungos que podem danificar a coleção.
| A diferença maior está, na quantidade de amostras armazenadas, fator diretamente relacionado à história dos "saques" nos séculos passados. | | |
Assim, enquanto o maior herbário do Brasil, que é o Museu Nacional do Rio de Janeiro, preserva cerca de 1 milhão de amostras, o herbário do Kew Gardens conserva algo em torno de 7 milhões. E a "idade" do material preservado.
Lineu é considerado o "pai" da taxonomia e sua grande obra, data de 1570! Desde essa época os herbários europeus vem sendo alimentados.
Relativo ao Jardim Botânico, as diferenças são efetivas. O Brasil não tem tradição e não valoriza tanto quanto o europeu, o cultivo de plantas.
Mesmo no maravilhoso Jardim Botânico do RJ não há estufas e amostras tão numerosas e preservadas quanto as que estão disponíveis em Kew. E, além dos Jardins Botânico do RJ e de Curitiba, que são amostras minimizadas de um Kew Gardens, pouco se fala ou conhece dos demais jardins botânicos brasileiros.
O descaso efetivo do poder público, como acontece com o Jardim Botânico de Brasília - e que é um dos mais lindos e de vanguarda, por ter como proposta, a preservação e divulgação das espécies nativas. O Inhotim em Minas Gerais, vem mudar um pouco essa concepção.
AuE Soluções: Quando falam em repatriar nossas plantas, na verdade é um eufemismo, não é? Elas não virão fisicamente pra o Brasil, pode nos relatar como é isso? Vocês têm encontrado raridades, plantas já extintas e desconhecidas?
Na minha opinião as amostras, pelo menos as duplicadas, deveriam vir mas não há como fazer o "saque" reverso já que, uma vez que foram incorporados às coleções europeias e o Brasil não tinha leis de proteção quando as plantas foram levadas, isso é uma tarefa quase impossível.
De outra forma, temos sentido uma liberdade muito grande para examinar a coleção muito bem conservada e organizada, o que minimiza a necessidade de "repatriamento" da amostra até porque, as imagens que estão sendo obtidas, em scanners especiais e desenhados para essa finalidade, têm uma qualidade impressionante e então temos a chance de analisá-los em aumento de cem o que, geralmente, é muito mais que os microscópios estereoscópicos nos permitem. A idéia globalmente aceita é que as amostras de herbário sejam cada vez menos manipuladas.
Quanto a novidades e raridades eu peço que esperem um pouco mais até que saiam as publicações que vão advir desse trabalho rsrsrsr. O ineditismo é a "alma" da publicação científica!
AuE Soluções: Qual seria a mensagem que daria aos estudantes que pensam em se dedicar ao ensino e pesquisa?
Bem vindos, colegas!
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