Árvores por cidades melhores, o panorama da arborização no Brasil pelo agrônomo Ramis Tetu

Autor: Regina Motta - Data: 18/10/2013

Aue Paisagismo: Primeiramente gostaríamos de ressaltar o prazer que temos em entrevistá-lo, pois sua contribuição neste momento é de suma importância, tanto para nós que acompanhamos o seu trabalho, como para muitas pessoas ligadas à profissão. Para começarmos, gostaria que nos contasse um pouco sobre sua trajetória profissional?

Ramis Tetu: Agradeço a oportunidade de tratar de tema tão importante para a qualidade de vida das cidades e das pessoas. Eu me formei Engenheiro Agronômo em 1985 pela Esalq e em 1990 vim para o Tocantins, um lugar fantástico. Pela sua natureza rica e exuberante - em transição de diversos biomas. Por uma economia promissora em diversas áreas. Uma experiência importante e positiva para o Brasil como único estado criado na Constituição de 1988 e que trouxe ganhos institucionais, sociais e econômicos para a região. Lá eu atuo desde então com minha empresa - a Desenvolverde, em paisagismo e recuperação ambiental - em produção de mudas, projetos, obras e consultoria - em diversas escalas. Paralelamente, mantenho uma ligação muito forte com a natureza, fazendo trilhas em florestas e escalando montanhas, dentro e fora do país. E assim, aprendi a entender a natureza como uma força e solução de saúde, educação, economia, urbanismo, de vida mesmo. Fui Diretor de Parques e Jardins de Palmas por 14 meses entre 2010 e 2012, tentando contrapor o modelo levado para lá desde o início e que considero insustentável - apesar de comum no Brasil. Há dois anos sou colunista de sustentabilidade do Jornal do Tocantins e da Rádio CBN Tocantins, e continuo com minha atuação na Desenvolverde.

Aue Paisagismo: Como o mesmo vê o Brasil, na área de Arborização Urbana?

Ramis Tetu: Um país fantástico e promissor com enormes oportunidades e forças para melhorar a vida das pessoas nas cidades sob vários aspectos pela presença das árvores e outros elementos naturais - nas ruas, praças, parques, florestas urbanas, nos entornos das escolas, demais prédios públicos, nos conjuntos habitacionais e nos espaços privados. E com inúmeros exemplos em diversas escalas, dimensões e regiões a provar isto. Mas que insiste em seguir em bloco um modelo equivocado. Um modelo geral - econômico, urbanístico, técnico e político que enxerga a natureza como problema ou sem utilidade prática e valoriza demais obras e commodities. Sendo que a maior força de nossa nação é a sua natureza - junto com sua gente, inclusive sob a ótica econômica, de soluções para as cidades e para a economia. Assim, perdemos a oportunidade de usarmos esta base natural como força, no maior desperdício que praticamos - deixarmos de sermos uma nação, com boas cidades e uma economia forte a partir de negócios e soluções "verdes". É a partir daí que são criados os modelos de cidades com base apenas em concreto e asfalto, sendo que a boa cidade é a mescla do natural com o construído. A infraestrutura verde - que presta muitos serviços vitais é enxergada como inútil por aqueles que só foram treinados para entenderem e manejarem estruturas "civis". Temos enormes perdas com desmates desnecessários em áreas urbanas e a desvalorização da árvore como patrimônio público. A Ciência - em diversas áreas do conhecimento que atuam nestes domínios - natural e urbanístico, por sua vez, fica ensimesmada - via de regra, nos seus centros de ensino e pesquisa, e não se comunica com a sociedade nem com o mundo político. O enorme e bonito conhecimento existente fica parado, não resolve os problemas brasileiros, criando uma energia ruim. A política - em sua maioria, não usa a força da gestão gerencial e técnica transversal, algo que traria resultados fantásticos de gestão. Na sociedade, há uma contradição, todos buscam sombra, reclamam do calor. Mas a maioria cultiva falsas razões para desvalorizar, não plantar e abater árvores, nos quintais e calçadas.



AuE Paisagismo: Quais os caminhos e atitudes que poderiam ser tomados?

Ramis Tetu: Entender de forma geral as árvores como infraestrutura útil, equipamentos multifuncionais, baratos e eficientes, que prestam diversos serviços diretos e importantes à população. Sombra, ar condicionado, bomba umidificadora, filtro de ar, etc. As florestas urbanas - nos parques, praças e massas de árvores nas ruas, como unidades de saúde pública, onde as pessoas adquirem e mantém sua saúde mental e física, pois são espaços de lazer, convívio, esportes e descanso. Dentro de um conceito de Cidades e Ambientes Saudáveis. E fortes promotores do turismo, cuja base de atração é a natureza e a cultura de uma cidade. A sombra das árvores como solução para o aquecimento das cidades, muito maior do que o global. E fator de acessibilidade primeiro. Entender a natureza como ferramenta fantástica de gestão com várias aplicações e interfaces em todas as políticas públicas, não só como "meio ambiente - algo romântico e inútil".



Entender arborização urbana não só como plantar árvores mas também defender, cuidar e pensar as árvores e as florestas no meio urbano. Desta forma é preciso promover políticas de parques e jardins com função social e urbanística, não meramente decorativa. Temos de ter uma hierarquia de necessidades urbanísticas e de gestão transversal com prioridades como: arborizar as cidades; criar, melhorar e dar uso para parques urbanos; promover esportes, convívio, lazer nos mesmos; profissionalizar e tecnificar as diretorias e equipes da área - com pensamento estratégico, empreendedor e transversal. Temos de copiar e adaptar os bons modelos e exemplos existentes aqui e lá fora.

AuE Paisagismo: Qual é o papel dos profissionais neste processo ?

Ramis Tetu: Uma aproximação da Ciência & Tecnologia com a sociedade e a política - em uma visão e linguagem empreendedora, econômica, urbanística e até política para esta aproximação e convencimento, não só de conceitos puros. A nossa missão como técnicos e cientistas é resolver os problemas brasileiros, no ambiente existente. A Arquitetura, as Engenharias, a gestão pública nos devem uma ética de elaborar e buscar projetos de obras apenas a partir do conhecimento e aproveitamento máximo da vegetação existente, das árvores existentes em um lote, em um novo loteamento, em uma região da cidade. Mesmo que à custa de mais trabalho de campo e de convencimento do cliente / gestor. Paisagistas em geral podem contribuir e difundir aos seus clientes a função social da parte que cabe a cada um. Cerca de 65% do território de uma cidade é privado e nesta porção podemos avançar muito na direção de Cidades Verdes, Permeáveis, Saudáveis, Sustentáveis. Temos de fazer isto acontecer, sem classismos, corporativismos. Precisamos juntar forças de todos que pensam verde e moderno, para um forte contraponto ao modelo do concreto, asfalto e carro.



Aue Paisagismo: No informativo da SBAU deste mês, há uma bela matéria citando o bom exemplo de planejamento no domínio da arborização urbana na Alemanha, onde ocorreu o International Garden Show (IGS) na cidade de Hamburgo. Existem outros exemplos a serem citados?

Ramis Tetu: Muitos, lá fora e aqui. A maioria das boas cidades do mundo tem forte presença de árvores, parques e florestas urbanas, em sua concepção e gestão. Europeus e americanos pensam cidades desta forma - mais e melhor do que nós. A própria disseminação da ISA - International Society of Arboriculture, e da IFLA - International Federation of Lanscape Archicteture na atuação municipal e em número de associados por país é um indicador importante e mostra isto. Ou seja, os engenheiros e arquitetos deles pensam mais verde do que os nossos. Os americanos estão plantando árvores nas ruas, naquela pista destinada ao estacionamento dos carros, alternadas a cada tantas vagas, liberando as calçadas para pedestres, ciclistas e redes. O conflito não é árvores versus pessoas, mas o excesso de carros versus pessoas e árvores. Existe até o e-trees, um programa moderno de gestão das árvores - de forma georeferenciada e on line.

Aqui, temos diversas cidades como bons exemplos: Curitiba - um dos cinco modelos sustentáveis do planeta, segundo a ONU, onde seus tantos parques são parte importante da qualidade de vida da cidade e do seu desenvolvimento turístico. E onde bosques privados ou exemplares especiais da araucária foram incorporados ao patrimônio público, por força de operações urbanas consorciadas. A força tropical do Rio de Janeiro - com a maior floresta urbana do mundo, diversos parques, um Jardim Botânico valorizado como referência turística e cultural, e a forte influência do gênio Burle Marx no paisagismo público e privado. Belo Horizonte desponta com a aliança entre a área ambiental e a CEMIG para tentar equacionar a complexa e conflituosa relação entre árvores e redes elétricas e podas adequadas. Uma parceria ANEEL, CEMIG, UFLA e Prefeitura avança nesta área de gestão de árvores sob rede. Goiânia tem tradição em arborização, já enfrentou fortes problemas e perdas de árvores de espécies equivocadas e recentemente uma gestão reciclou a cidade levando-a para um patamar alto em índices de áreas verdes, gestão de arborização e em número de parques com alta frequência da população. Santos fez uma orla arborizada contrariando o modelo padrão brasileiro. Os gaúchos são fortes no setor - técnica, institucional e legalmente, com destaque em planos diretores de arborização urbana - um instrumento específico e importante. O estado de São Paulo, com o apoio da Esalq / USP, tem um programa de incentivo e organização da arborização muito importante - Municípios Verdes. Londrina, Maringá, Campinas e tantas outras cidades tem algo a apresentar de positivo em algum aspecto. Agora é preciso somar estas experiências positivas e massificar sua aplicação Brasil afora, adequando às condições de cada município e região.

Aue Paisagismo: A divulgação do XVII Congresso Brasileiro de Arborização Urbana (CBAU) é de grande interesse para os nossos leitores. Poderia nos falar um pouco sobre o evento e as expectativas do Senhor como organizador do mesmo?

Ramis Tetu: O tema desta edição é "Árvores por cidades melhores" e o objetivo prático de tornar arborização urbana política pública disseminada no país, através da sensibilização e mobilização de pessoas e instituições para esta ideia. Para tanto, estamos usando campanhas publicitárias, produtos inovadores e forte comunicação por mídias sociais buscando atingir a consciência nacional - diversos públicos formadores de opinião, e assim dar visibilidade à mensagem: a boa cidade é a mescla do natural com o construído. Com caráter lúdico e de forma sequencial e em diversos meios - facebook, site, mailing list e banners virtuais em sites institucionais. Nosso objetivo é atingir conselhos profissionais, associações empresariais, instituições de governos, centros de ensino e pesquisa, terceiro setor, imprensa. Ao conquistar os corações e mentes das pessoas que querem ver sua cidade melhor - usar esta sinergia como um fator de indução e facilitar o trabalho de articulação institucional. Já conseguimos - a partir do Tocantins, iniciar a sensibilização de instituições como: Caixa, MPE, TCE, SEBRAE, setores da Saúde Pública e da Educação, centros de ensino, SEBRAE, SINDUSCOM, CBIC, CAU, CREA, IAB, ABAP, algumas Prefeituras, em negociações que continuam.



A idéia central do congresso em si é proporcionar aos participantes uma visão transversal das árvores como: I - indivíduos biológicos e agronômicos; II - base das florestas urbanas; III - infraestrutura eficiente das cidades; IV - objeto crítico do bom planejamento urbano. Por olhares distintos e amplos, de diversas áreas: Ciências Agrárias e Ambientais, Arquitetura e Urbanismo, Engenharias, Saúde Pública e Comunicação. As inscrições estão abertas, a programação e demais informações pertinentes estão em: Facebook: CBAU XVII e www.cbau2013.com.br. Especialistas e iniciantes de todo o país virão à Palmas, vivenciarão o estudo de caso da nossa política de Parques e Jardins e trocarão opiniões e experiências - por meio de palestras, diálogos e mini-cursos, em uma grade de programação especialmente pensada para o objetivo de avançarmos com esta política pública.

É um oportunidade ímpar para empresas, municipalidades, governos estaduais proverem seus quadros de técnicos e gestores com uma capacitação técnica e gerencial de alto nível e baixo custo.

Veja também:

* Arborização Urbana: Uma idéia, um conceito, uma causa
* Sociedade Brasileira de Arborização (SBAU) divulga carta de Uberlândia


Compartilhar:


Anterior Próximo

eBook: Planta baixa técnica x Planta humanizada em paisagismo

Comente esta matéria:
Nome:
E-mail:
0 + 9 = ?
Digite o seu comentário sobre a matéria:
Qual a sua avaliação sobre esta matéria ?



1 - Autor: Jorge Raimundoi Silva Silveira - Data: 06/11/2013 22:55:08

Sou Eng° Agr. M.Sc., Ciências Agrárias, paisagista e bonsaista. Fique muito feliz em ter recebido im e-mail sobre Congresso na área de Arborização Urbana, tema que tenho venho realizando palestras chamando atenção sobre a importância da Arborização planejada e discutindo os problemas gerados na arborização que em muitas das vezes são trabalhos realizados por leigos. Desejo Sucesso nesse Congresso. Faço votos de estar presente no próximo. Abraços à Comissão Organizadora do Evento



2 - Autor: Vera Ribeiro - Data: 21/10/2013 10:11:56

Excelente! gostaria de ouvir este especialista, pessoalmente.




Entrevista
Árvores por cidades melhores, o panorama da arborização no Brasil pelo agrônomo Ramis Tetu
Árvores por cidades melhores, o panorama da arborização no Brasil pelo agrônomo Ramis Tetu

Veja a entrevista com o Agrônomo Ramis Tetu, organizador do Congresso de Arborização Urbana.

Arquiteto Paisagista Luiz Portugal e suas realizações
Arquiteto Paisagista Luiz Portugal e suas realizações

É inegável a sua contribuição para o Paisagismo no Brasil, uma profissão que vem a cada ano se consolidando

Lançamentos
Lançamento do DVD 7 Visões da Paisagem
Lançamento do DVD 7 Visões da Paisagem

Aue Soluçoes tem o imenso prazer de anunciar o Lançamento do DVD 7 Visões da Paisagem

Botânica
O uso do paisagismo comestível
O uso do paisagismo comestível

Conheça um pouco de como criar um espaço de plantas utilizadas como temperos e condimentos e que agregam espaços no paisagismo.

Dicas Técnicas
AutoLANDSCAPE 2012: Como incluir novos itens no banco de dados
AutoLANDSCAPE 2012: Como incluir novos itens no banco de dados

Nesta matéria vamos aprender incluir novos itens no banco de dados de paisagismo do AutoLANDSCAPE 2012.

HydroLANDSCAPE 2012: Aprenda incluir novos aspersores e associar os bocais
HydroLANDSCAPE 2012: Aprenda incluir novos aspersores e associar os bocais

Vamos incluir novos aspersores e associar os bocais a eles no banco de dados do HydroLANDSCAPE

PhotoLANDSCAPE 2012: Como incluir e recortar fotos de itens no banco de dados
PhotoLANDSCAPE 2012: Como incluir e recortar fotos de itens no banco de dados

Nesta matéria você vai aprender incluir e editar fotos de itens novos de paisagismo para utilizá-los no banco de dados do PhotoLANDSCAPE

Notícias
O Jardim da Especulação Cósmica conta a história do Universo
O Jardim da Especulação Cósmica conta a história do Universo

O Paisagista Charles Jenks cria jardins que contam a história do Universo na Escócia

Parque de Monserrate (Sintra) venceu o European Garden Award
Parque de Monserrate (Sintra) venceu o European Garden Award

O prêmio veio do European Garden Award da European Garden Heritage Network (EGHN) e a Schloss Dyck Foundation

Herbário Virtual Reflora ao alcance de todos
Herbário Virtual Reflora ao alcance de todos

A exuberante flora brasileira está ao alcance de todo o mundo graças a um "herbário virtual"

64° Congresso Nacional de Botânica
64° Congresso Nacional de Botânica

64° Congresso Nacional de Botânica

XVII Congresso Brasileiro de Arborização Urbana
XVII Congresso Brasileiro de Arborização Urbana

XVII Congresso Brasileiro de Arborização Urbana

Conheça os vencedores do 4º Concurso Nacional de Paisagismo Urbano-ANP
Conheça os vencedores do 4º Concurso Nacional de Paisagismo Urbano-ANP

A AuE Soluções patrocinou mais uma edição do Concurso Nacional de Paisagismo Urbano da ANP. Veja como foi a entrega dos prêmios.

Saiba como foi a 16º Fiaflora e o Concurso Nacional de Paisagismo Urbano
Saiba como foi a 16º Fiaflora e o Concurso Nacional de Paisagismo Urbano

Veja como foi a 16 edição da Fiaflora Expogardem em São Paulo

Arquivo
Edição Anterior

Revista AuE Paisagismo Ano 10 No 112 / Setembro de 2013

Conteúdo completo

Lista com todas as Edições da Revista AuE Paisagismo Digit@l

Top 10

Matérias mais comentadas da revista

Projetos
Residência Flor do Sol
Residência Flor do Sol

Álvaro Drillard

Residência Oliveira
Residência Oliveira

Nataly Schröder

Residência Aflorar
Residência Aflorar

Nataly Schröder

Lista de Projetos

Lista com Todos os Projetos da Revista AuE Paisagismo Digit@l

Top 10 de Projetos

Lista com 10 projetos mais comentados

Agenda
Conversar no Whatsapp +55(32)3217-1501

X

AuE Paisagismo


Que tal se manter sempre informado das novidades do mundo do paisagismo? Informe seus dados para mantermos contato!





Revista no seu E-mail

*
*
*
6 + 6 = ? *