O Mimetismo Como Estratégia de Polinização
Autor: Lara Victória do Nascimento Neves - Data: 02/07/2025
No reino animal, é muito comum observar estratégias curiosas de sobrevivência. Algumas espécies usam a camuflagem para se esconder de predadores, outras exibem cores vibrantes como quem diz “Não me coma! Sou venenoso!” e há ainda aquelas que recorrem ao mimetismo — um artifício evolutivo no qual um organismo imita outro, seja em forma, cor ou comportamento. Um exemplo disso é o Bicho-pau-australiano (Extatosoma tiaratum (Macleay, 1826)), que se assemelha a um escorpião quando ameaçado. Outro caso é o do Louva-a-deus-orquídea (Hymenopus coronatus (Olivier, 1792)), que imita perfeitamente uma flor, enganando suas presas. Fato é que essas estratégias evolutivas são muito surpreendentes e um tanto inteligentes. Mas será que apenas os animais recorrem ao mimetismo? E quanto às plantas?
ESTRATÉGIAS DE POLINIZAÇÃO
A polinização é essencial para a reprodução das plantas com flores. Ela consiste na transferência do pólen, das anteras para o estigma, podendo acontecer pelo vento, pela água, ou, na maioria das vezes, com a ajuda dos animais — os polinizadores.
Para a planta, atrair um polinizador é uma questão de vida. Para o polinizador, é questão de sobrevivência: as flores oferecem néctar, pólen e outras recompensas como alimento. Contudo, algumas espécies da flora adotam uma estratégia diferenciada: em vez de oferecer uma verdadeira recompensa, fingem que têm algo valioso a oferecer. É aqui que entra o mimetismo.
MIMETISMO EM PLANTAS
Se pararmos para observar a natureza, veremos flores incríveis, folhagens exuberantes, formas tão curiosas que parecem de outro mundo. Nada disso é fruto do acaso, da vaidade ou de simples capricho. Muito pelo contrário: tudo na natureza tem um propósito e é cuidadosamente “calculado”.
Embora sejam organismos fixos, as plantas também desenvolveram estratégias surpreendentes para garantir sua sobrevivência e reprodução, sendo o mimetismo uma delas. Algumas plantas evoluíram para enganar polinizadores, utilizando formas, cores e até cheiros que imitam outros organismos ou situações do ambiente. Essa é uma tática engenhosa: atrair insetos ou outros animais para garantir a transferência de pólen, muitas vezes sem oferecer uma recompensa real.
EXEMPLOS DE MIMETISMO NA POLINIZAÇÃO
1-Ophrys speculum Link: Também conhecida como “orquídea-abelha”, suas flores mimetizam a forma e as cores de uma fêmea da vespa Dasyscolia ciliata (Fabricius, 1787). Machos da espécie enganada tentam copular com a flor e, nesse processo, acabam transportando o pólen de uma flor para outra. Ou seja: a planta consegue ser polinizada sem oferecer nenhum tipo de recompensa, apenas com a ilusão.
2-Aristolochia L.: As flores desse gênero exalam um odor semelhante ao de carne em decomposição, o que atrai moscas necrófagas. A estrutura floral é revestida por pelos que permitem a entrada das moscas, mas impedem sua saída. Ao entrarem na flor em busca de alimento ou de um local para oviposição, os insetos ficam temporariamente presos. Durante esse período, acabam se cobrindo de pólen. Quando os pelos murcham, as moscas são liberadas, levando o pólen consigo e contribuindo para a polinização de outras flores da espécie.

3-Caleana major R.Br.: Também conhecida como “orquídea-pato-voador”, a Caleana major emite um aroma semelhante aos feromônios sexuais liberados por fêmeas de vespas do gênero Lophyrotoma Ashmead, 1898, com o objetivo de atrair os machos para a realização de uma pseudocópula. Seu labelo, em forma de bico, é sensível ao toque e funciona como um gatilho biológico. Quando o macho pousa sobre o labelo, ele é impulsionado contra a estrutura reprodutiva da flor. Esse movimento força o inseto a entrar em contato com o estigma e com as polínias, que se fixam em seu tórax. Ao repetir o comportamento com outra flor, o macho promove a polinização.
Esses são exemplos claros de mimetismo: as plantas se disfarçam ou imitam outras formas de vida ou situações para manipular seus polinizadores, garantindo a continuidade da espécie!
A LIÇÃO PARA O PAISAGISMO E O PLANEJAMENTO VERDE
Mas o que isso tem a ver com o planejamento de espaços verdes, jardins ou projetos paisagísticos? Tudo! Assim como na natureza, cada elemento do paisagismo pode e deve ser pensado estrategicamente: cores, formas, aromas e a relação entre espécies vegetais e fauna local têm impacto direto na biodiversidade, na sustentabilidade e na estética do espaço.
O mimetismo nas plantas nos ensina que, na natureza, nada é por acaso. Tudo tem uma razão, mesmo que não seja óbvia. Entender esses mecanismos nos ajuda a planejar espaços mais inteligentes, cheios de vida e equilíbrio.
Com os softwares da AuE, é possível criar jardins que levam em conta não só a estética, mas também os aspectos ecológicos. É possível simular combinações que, além de bonitas, atraem polinizadores reais, alinhando beleza, funcionalidade e conservação ambiental. Assim, criamos paisagens que, como as orquídeas miméticas, encantam e cumprem um papel muito maior que o visual!
Fontes e Referências:
- Fotos:
Imagem1: Extatosoma tiaratum; foto por Paulo Paixão.
Disponível em: https://www.inaturalist.org/photos/208841774.
Link para licença: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/
Imagem2: Ophrys speculum; foto por Marina Ribeiro.
Disponível em: https://www.inaturalist.org/photos/272711683.
Link para licença: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/
Imagem3: Aristolochia gigantea; foto por ni_ki.
Disponível em: https://www.inaturalist.org/photos/429884146.
Link para licença: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Imagem4: Caleana major; foto por Nicholas Thoms.
Disponível em: https://www.inaturalist.org/photos/241731644.
Link para licença: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/
- Bibliografia:
ANGHELESCU, Nora Eugenia D. G.; KERTÉSZ, Hajnalka; PATAKI, Hajnal; GEORGESCU, Mihaela I.; PETRA, Sorina A.; TOMA, Florin. Genus Ophrys L., 1753 in Romania – taxonomy, morphology and pollination by sexual deception (mimicry). Scientific Papers. Series B, Horticulture, vol. 65, no. 2, 2021.
KUITER, Rudie H. Pollination of Caleana major (Orchidaceae) by Lophyrotoma spp. (Hymenoptera: Pergidae). Aquatic Photographics, Seaford, Short Paper 8, dezembro 2017.
COSTA, E. D. L.; HIME, N. D. C.. BIOLOGIA FLORAL DE ARISTOLOCHIA GIGANTEA MART. ET ZUCC. (ARISTOLOCHIACEAE) I.. Rodriguésia, v. 33, n. 56, p. 23–69, dez. 1981.
RUPP, T.; OELSCHLÄGEL, B.; RABITSCH, K.; MAHFOUD, H.; WENKE, T.; DISNEY, R. H. L.; NEINHUIS, C.; WANKE, S.; DÖTTERL, S. Flowers of deceptive Aristolochia microstoma are pollinated by phorid flies and emit volatiles known from invertebrate carrion. Frontiers in Ecology and Evolution, v. 9, p. 658441, 2021. DOI: 10.3389/fevo.2021.658441.
Veja também:
Plantas em Ambientes Inóspitos: Como as plantas se adaptam à vida em climas áridos
Como o Paisagismo Influencia no Combate à Impercepção Botânica
Olhar paisagístico e botânico devem estar alinhados na escolha das plantas do seu projeto!

Anterior Próximo