Como o Paisagismo Influencia no Combate à Impercepção Botânica.
Autor: Lara Victória do Nascimento Neves - Data: 09/05/2025
O paisagismo vai além da criação de ambientes arborizados. Porém, quando pensado de forma consciente, em sintonia com a vegetação, ele recebe um papel fundamental no combate à chamada impercepção botânica.
DE ONDE VEM A "IMPERCEPÇÃO BOTÂNICA"
O termo "cegueira botânica" (ou "cegueira vegetal") foi criado em 1998 por Elisabeth Schussler e James Wandersee para definir a dificuldade das pessoas em notar ou valorizar as plantas no ambiente e de perceber elementos delas que compõem, por exemplo, a nossa alimentação, e que são ou poderiam ser utilizados para fins medicinais e até na indústria têxtil. No entanto, por ser considerado um termo capacitista, seu uso vem sendo evitado, utilizando-se como alternativa o termo "impercepção botânica".
PLANTAS IMPERCEPTÍVEIS
Em uma conversa com a professora doutora em Biodiversidade e Conservação da Natureza, mestra em Ecologia e também ilustradora botânica, Samyra Furtado, ela explica:
"A impercepção botânica se dá quando nós vemos as plantas como um pano de fundo para outras coisas, como os animais e a vida na cidade — como se elas, as plantas, fossem imperceptíveis. Você não para para olhar, observar ou sentir a textura delas."
Esse olhar atento proposto vai além da ciência: é um convite à sensibilidade, ao desacelerar da rotina e ao redescobrimento do verde que nos cerca. É enxergar nas plantas uma presença ativa, essencial — não apenas um cenário, mas protagonistas silenciosas da vida na Terra.
ESTÉTICA MINIMALISTA, NATUREZA AUSENTE
Com o avanço da tecnologia, a urbanização e as mudanças da modernidade, a estética minimalista foi adotada por muitas pessoas fazendo com que as áreas de jardins fossem projetadas para precisar da mínima manutenção, diminuindo cada vez mais o contato das pessoas com as plantas e afastando a população urbana de conhecimentos e crenças sobre elas que antes costumavam ser passados de geração em geração. Além disso, é possível perceber o crescente desinteresse de crianças e jovens por assuntos e práticas ambientais uma vez que os aparelhos tecnológicos vêm assumindo protagonismo no lazer cotidiano. Passar horas na frente das telas, cuja exposição excessiva é comprovadamente prejudicial, têm sido preferível à atividades ao ar livre, como passeios ou esportes em contato com a natureza como argumenta o filósofo Peter Singer em sua obra Ética Prática.
Segundo a BBC News Brasil "as crianças reconhecem que os animais são seres vivos antes de entender que plantas também são vivas". Partindo desse ponto, a professora Samyra esclarece os impactos dessa desconexão em nossas vidas:
"Existe outro termo chamado de impercepção ambiental que se dá quando a sociedade não percebe o meio ambiente ao seu redor - os animais, uma abelha, um outro inseto, as plantas, o ar, a qualidade do ar e o silêncio também. Então quando as pessoas não tem esse contato desde pequenas, elas não criam uma conexão emocional o que faz com que essas pessoas cresçam sem se importar com o meio ambiente. Então elas acabam não tendo engajamento com causas ambientais por exemplo. Combatendo a impercepção botânica, tornamos possível criar essa conexão com o ambiente natural - que é parte da nossa vida - e, assim, as pessoas passam a se importar mais com essas pautas."
O PAPEL DO PAISAGISMO NA RECONEXÃO
O paisagismo tem o potencial de despertar percepções, provocar curiosidades, guiar caminhos, reconectar as pessoas aos ambientes naturais e reconectar pessoas utilizando os ambientes naturais. É um campo com infinitas possibilidades, que vão desde a composição visual de um espaço até a criação de experiências sensoriais e educativas. Sobre esse tema, a professora Samyra Furtado soma que:
"O paisagismo está na cidade, e muitas pessoas não têm como ter a vivência de outro tipo de ambiente, como o ambiente rural ou o ambiente natural. Então o que a pessoa vive é o ambiente urbano.
Por exemplo, se houver um parquinho com uma árvore, isso já muda a percepção das crianças. Se as pessoas subiram em uma árvore quando eram pequenas, ou se plantaram uma árvore nessa fase da vida, elas já têm essa conexão mais estabelecida e vão se importar mais quando, por exemplo, alguém for derrubar uma árvore no bairro delas.
Isso faz parte do que as pessoas vivem, do que convivem, do que está no dia a dia, e isso faz diferença. Se a gente tiver árvores no nosso caminho, que vão sombrear a gente enquanto caminhamos por ali, vamos criar uma relação com essas árvores; vamos notar a presença delas, as formas, as cores.
E o paisagismo busca isso, né? Tem forma, cor, textura, cheiro... Tudo isso é importante."
ECOLOGIA E TECNOLOGIA
Para que o paisagismo possa cumprir seu papel de promover a reconexão com a natureza, se torna necessário um planejamento cuidadoso dos espaços verdes. Nesse contexto, os softwares da AuE desempenham um papel fundamental ao otimizar o desenvolvimento de projetos paisagísticos com agilidade e praticidade. Essas ferramentas disponibilizam uma ampla variedade de espécies, acompanhadas de informações que facilitam todo o processo de escolha das plantas, considerando fatores como o clima e o tipo de solo da região. Isso permite a criação de ambientes mais coerentes e respeitosos em relação ao ecossistema local, enriquecendo os espaços urbanos com biodiversidade, promovendo o contato com a natureza e contribuindo para o combate à impercepção ambiental.
Quem fala com propriedade sobre o tema:

Samyra Gomes Furtado é doutora em Biodiversidade e Conservação da Natureza pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2020), mestre em Ecologia (2016) e bacharela em Ciências Biológicas (2014) pela mesma instituição. Atua nas áreas de Botânica, com ênfase em florística, taxonomia e coleções botânicas, além de desenvolver pesquisas em biogeografia, conservação e ecologia, com foco especial em epífitas vasculares. Atualmente, é docente no curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário Academia, onde leciona as disciplinas de Morfologia de Fanerógamas, Sistemática e Evolução de Fanerógamas e Plantas Medicinais.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5553262824054917
Referências:
O que é "cegueira vegetal" e por que ela é vista como ameaça ao meio ambiente
Nota Científica - É tempo de superar termos capacitistas no ensino de Biologia: impercepção botânica como alternativa para "cegueira botânica"
Reconhecendo a vida invisível: o combate à Impercepção Botânica pelo programa “Que Mato É Esse?”
Impercepção botânica na política ambiental
SINGER, P. Ética prática. 2 ed. Lisboa: Gradiva, 2002, p. 292.
Veja também:
Olhar paisagístico e botânico devem estar alinhados na escolha das plantas do seu projeto!
Amorphophallus titanum: A Flor-cadáver
As Estações do Ano e Seu Impacto nas Plantas

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