Araucariaceae: Relíquias vivas da era dos dinossauros
Autor: Matheus Augusto P. Leôncio - Data: 02/07/2024
A família botânica Araucariaceae teve uma presença global durante os períodos Jurássico e Cretáceo, há cerca de 200 a 65 milhões de anos. A história evolutiva das Araucariaceae remonta a milhões de anos, quando as plantas começaram a dominar a superfície terrestre. Este período, conhecido como Era Mesozoica, foi caracterizado pela formação de fragmentação do supercontinente Pangeia. Nas áreas subtropicais e relativamente úmidas, as gimnospermas (plantas sem flores e fruto), incluindo as Araucariaceae, expandiram-se consideravelmente, mostrando uma notável adaptação à escassez de água e solos finos.
Durante o Jurássico, eventos tectônicos criaram ambientes instáveis e solos despojados que favoreceram as coníferas gimnospermas. Sua capacidade única de se adaptar ao estresse e prosperar em condições adversas permitiu-lhes uma disseminação global significativa. Nesse período, essas árvores, com suas folhas altamente energéticas e de baixa fermentação, desempenharam um papel vital como fonte de alimento para os dinossauros saurópodes. Assim, essas árvores não apenas precedem os dinossauros em idade, mas também desempenharam um papel fundamental na história vegetal do nosso planeta, adaptando-se e se espalhando ao longo de eras geológicas.
Foto 1: John Muir foi um famoso naturalista que descreveu as araucárias como as árvores mais interessantes já vistas por ele
Arquivos do Goga Park/ Flickr.
As Araucariaceae pertencem ao filo Coniferophytas (coníferas), que fazem parte das Gimnospermas. A família das Araucariaceae possuem cerca de 40 espécies, divididas entre os gêneros Agathis sp., Araucaria sp. e Wollemia sp. O gênero Wollemia é o menor e possui apenas uma espécie, a Wollemia nobilis ocorre exclusivamente no Sudeste Australiano. O restante das espécies pertence aos gêneros Araucaria e Agathis. Ao analisar a nível molecular esses gêneros concluiu-se que todos são monofiléticos, ou seja, possuem um ancestral em comum. Não se sabe ao certo qual é o gênero mais antigo no ponto de vista evolutivo, então são considerados grupos irmãos, com a mesma importância.
No início do período Triássico, o clima era predominantemente quente e seco, com uma flora que incluía fetos e palmeiras nas regiões quentes de Gondwana, e coníferas em zonas mais temperadas de Laurásia. No entanto, conforme o Jurássico avançava, o aumento da umidade transformou paisagens áridas em ambientes mais propícios ao crescimento vegetal. Esse fenômeno beneficiou especialmente as Araucariaceae, que se expandiram significativamente pelo hemisfério sul, incluindo a América do Sul e a Oceania, onde atualmente se encontram a Austrália e a Nova Zelândia.
Durante o período Jurássico, à medida que os níveis de umidade aumentavam significativamente, houve uma transformação drástica nas condições ambientais globais. Antigas áreas desérticas se tornaram mais úmidas, o que propiciou não apenas o surgimento de bosques e florestas exuberantes, mas também favoreceu a expansão das araucareaciae, espécies adaptadas a condições climáticas variadas.
O grande evento evolutivo no final do período Cretáceo, com o surgimento das angiospermas (plantas com flores e frutos), adicionou uma nova camada de diversidade à flora global, coexistindo com as coníferas como as Araucariaceae. Assim, ao longo das eras geológicas, esses vegetais não apenas sobreviveram às mudanças climáticas e geológicas, mas também desempenharam um papel crucial na história evolutiva das plantas, adaptando-se e prosperando em diferentes condições ambientais ao redor do mundo.
As Araucariaceae demonstraram adaptações significativas para sobreviver às mudanças climáticas e ambientais ao longo das eras geológicas. Durante o início do período Triássico, quando o clima era predominantemente quente e seco, essas árvores ancestrais provavelmente desenvolveram mecanismos para lidar com condições áridas, como tolerância à seca e estratégias de conservação de água. Com a transição para o Jurássico, caracterizado por um clima mais quente e úmido e a expansão das florestas tropicais, as araucárias adaptaram-se para prosperar em ambientes mais úmidos, possivelmente desenvolvendo folhas resistentes à umidade e estratégias eficientes de dispersão de sementes para explorar novos habitats. Durante o Cretáceo, período de variações climáticas, as araucárias continuaram a evoluir suas adaptações, demonstrando flexibilidade em face das mudanças ambientais, o que contribuiu para sua sobrevivência e expansão ao longo do tempo geológico. Essas adaptações ao longo das eras permitiram que as araucárias se mantivessem como elementos importantes em diferentes paisagens e climas ao redor do mundo até os dias atuais.
Foto 2: Durante o Mesozóico, a distribuição paleogeográfica das coníferas da família Araucariaceae apresentava formas com ramos desde a base, consideradas tipos primitivos dentro da família. As afinidades dessas formas com as espécies modernas ainda não foram completamente estabelecidas. As linhas traçadas no mapa indicam os limites das áreas áridas durante esse período.
A- Triássico superior; B- Jurássico inferior e Médio; C- Cretáceo inferior e Médio
Arquivos de Dutra & Stranz, 2003
Atualmente, a família Araucariaceae está distribuída no Hemisfério Sul, abrangendo regiões da Nova Caledônia, Nova Guiné, Austrália, Nova Zelândia e América do Sul. As coníferas têm uma distribuição predominantemente austral. A maioria dos seus representantes habita florestas úmidas de clima mesotérmico subtropical ou temperado.
Na América do Sul, as coníferas são encontradas em áreas elevadas e bem iluminadas, sujeitas a um tectonismo ativo. Essas áreas são caracterizadas por solos de pequena espessura, litólicos e ácidos, em zonas de clima oceânico mesotérmico, nas latitudes subtropicais a tropicais.
Os sistemas de ventos alísios e contra-alísios, as frentes polares, os efeitos do El Niño e da Convergência do Atlântico Sul exercem um importante efeito sobre a distribuição das coníferas no Sul do Brasil e no Oeste do Chile, devido à concentração de umidade nessas regiões.
No continente sul-americano, a seção Columbea do gênero Araucaria é composta principalmente pela Araucaria araucana e pela Araucaria angustifolia. A Araucaria araucana ocorre em regiões montanhosas e de clima temperado do Chile e da Argentina, entre os paralelos 37° e 40° Sul, em áreas relativamente pequenas em ambos os lados da Cordilheira dos Andes.
Principais características dos gêneros pertencentes a família Araucariaceae:
Gênero Agathis:
Características gerais: São árvores grandes e perenes, predominantemente encontradas nas regiões tropicais e subtropicais da Ásia, Australásia e Pacífico Sul.
Folhas: Possuem folhas em forma de agulha, frequentemente dispostas em espiral nos ramos.
Cones: Os cones femininos e masculinos estão presentes na mesma árvore.
Espécies notáveis: Agathis robusta, Agathis dammara, entre outras.
Agathis é encontrado predominantemente nas regiões tropicais da Ásia e do Pacífico, ele tende a ser mais adaptado a esses climas, enquanto Araucaria e Wollemia podem ser encontradas em climas que variam de temperados a subtropicais.
Foto 3: Agathis robusta
Arquivos de Russell Cumming
Gênero Araucaria:
Características gerais: Inclui árvores de médio a grande porte, nativas de regiões temperadas a tropicais.
Folhas: Também têm folhas em forma de agulha, que podem ser dispostas de diferentes maneiras (em espiral ou verticiladas).
Cones: Dependendo da espécie, podem ter cones masculinos e femininos em árvores separadas ou na mesma árvore.
Espécies notáveis: Araucaria araucana (Araucária do Chile), Araucaria angustifolia (Araucária brasileira).
O gênero Araucaria é mais diversificado, com espécies desde a América do Sul até o Pacífico Sul.
Foto 4: Araucaria angustifolia
Arquivos de Guilherme Motta
Gênero Wollemia:
Características gerais: É um gênero monoespecífico descoberto recentemente na Austrália.
Folhas: Possui folhas em forma de agulha, dispostas em espiral nos ramos.
Cones: Como uma característica distintiva, tem árvore com cones masculinos e femininos, mas é necessário que haja árvores de ambos os sexos próximas para a polinização.
Espécies notáveis: Wollemia nobilis é a única espécie conhecida atualmente no gênero até então.
Endêmica da Austrália
Foto 5: Wollemia nobilis
Arquivos de Michael Hains
A Araucária sp. é uma árvore de arquitetura marcante, podendo atingir até 40 metros de altura. Possui tronco reto e ramificações somente no topo, folhas pontiagudas e flores secas, e sua copa adulta tem formato de cálice. Classificada no grupo das gimnospermas, a Araucária pertence ao grupo de plantas cujas sementes são nuas, ou seja, os óvulos não são protegidos por um ovário. Isso significa que, embora produzam sementes, não formam frutos. O termo "gimnospermas" deriva de "gymnos" (nu, desprovido) e "sperma" (semente), refletindo essa característica de ter sementes nuas.
O pinhão, nome dado à semente da Araucária, tornou-se ao longo do tempo um recurso alimentar valioso, rico em amido (um carboidrato sem glúten) e contendo cerca de 8% de proteína. Essa semente nutritiva desempenhou um papel crucial na alimentação de diversos animais ao longo da história da Terra.
Após a extinção dos dinossauros herbívoros, mamíferos e aves primitivas passaram a se alimentar dos pinhões, contribuindo para a evolução da comunidade de animais associada à Araucária.
Atualmente, mais de 70 espécies de animais, como o papagaio-charão (Amazona pretrei), o papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea), as gralhas-azuis (Cyanocorax caeruleus), o ouriço-cacheiro (Coendou spinosus), o serelepe (Guerlinguetus ingrami), as baitacas (Pionus maximiliani), as tirivas (Pyrrhura frontalis) e os quatis (Nasua nasua), beneficiam-se direta ou indiretamente da cadeia alimentar da Araucária.
Desafios enfrentados pelas Araucariaceae:
Apesar de sua longa história evolutiva e distribuição global, as Araucariaceae enfrentam desafios significativos no mundo contemporâneo. A expansão urbana, a agricultura intensiva e as mudanças climáticas representam ameaças crescentes para essas árvores veneráveis. Em muitas regiões, como no sul do Brasil e na Patagônia, espécies como a Araucaria angustifolia e a Araucaria araucana estão em risco devido à exploração madeireira descontrolada e à perda de habitat. A exploração de Araucárias hoje em dia é ilegal, mas existem fatores importantes quanto ou até mais importantes que ameaçam essas espécies.
Oliver Wilson, da Universidade de Reading na Inglaterra, junto com seus colegas, utilizaram simulações para integrar dados climáticos com mapas detalhados de vegetação e topografia de alta resolução. Eles projetaram que até 2070, apenas 3,5% das florestas remanescentes serão adequadas para a Araucária. Além disso, identificaram micro-refúgios — áreas frias e úmidas onde essas árvores poderiam sobreviver. No entanto, descobriram que mais de um terço dessas áreas já havia sido desmatado.
As Araucariaceae têm resistido a grandes mudanças climáticas ao longo desses milhões de anos. No passado, essas árvores puderam migrar conforme o clima flutuava no continente sul-americano. Agora, no entanto, estão essencialmente confinadas. Como explica Wilson, "Elas estão localizadas no extremo sul das terras altas do sul do Brasil. Sem margem para subir mais, estão limitadas pelo desmatamento a oeste, pelas baixas altitudes ao sul e pela mudança climática ao norte. É como se o clima e as ações humanas estivessem se fechando sobre elas. Não há para onde ir além disso."
Esforços de conservação estão em curso para proteger as Araucariaceae, árvores emblemáticas cuja sobrevivência na natureza pode ser garantida com intervenções direcionadas, como mencionado por Wilson. Iniciativas como maior proteção nos pontos climáticos mais adequados, reflorestamento e adaptação das regulamentações para incentivar os proprietários de terras a conservar e restaurar essas árvores em regiões de pastagem têm sido implementadas. Parques nacionais, reservas naturais e outras formas de preservação do habitat têm sido estabelecidos, visando não apenas a proteção das araucárias, mas também a promoção da conscientização sobre sua importância ecológica e cultural.
Foto 6: Papagaio-charão (Amazona pretrei) se alimentando de pinhão
Arquivo da Fundação Universidade de Passo fundo (UPF)
Em suma, as Araucariaceae não são apenas sobreviventes da era dos dinossauros; elas são testemunhas vivas da evolução vegetal ao longo de milhões de anos. Com suas adaptações notáveis e distribuição global, essas árvores continuam a desempenhar um papel vital nos ecossistemas onde habitam, além de representarem um elo valioso com nosso passado geológico e biológico. Proteger as Araucariaceae é essencial não apenas para a biodiversidade, mas também para garantir que futuras gerações possam apreciar e estudar esses ícones naturais que atravessaram eras e continentes.
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Referências:
Mais antiga que os dinossauros e com sementes que alimentam várias espécies: conheça a araucária
Era Mesozoica
Araucaria angustifolia: uma análise da espécie sob o viés da história ambiental global
Araucariaceae: As árvores pré-históricas mais raras do mundo que sobrevivem à extinção
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