Arquiteta Paisagista Martha Gavião e seus 30 anos de Paisagismo
Autor: Martha Gavião - Data: 13/06/2013
Com mais de 30 anos de profissão, a Arquiteta Paisagista Martha Gavião formou-se em Arquitetura pela PUC- Campinas em 1982 e em 2012 defendeu sua dissertação de mestrado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, na área de concentração Paisagem e Ambiente. É inegável a sua contribuição como Arquiteta Paisagista hoje no Brasil, uma profissão que vem a cada ano se consolidando tanto no mercado como no Ensino.
AuE Paisagismo: Primeiramente gostariamos de ressaltar o prazer que temos em entrevista-la, pois sua contribuição neste momento é de suma importância, tanto para nós que acompanhamos o seu trabalho, como para muitas pessoas ligadas à profissão. Para começarmos, gostaria que nos contasse como surgiu sua escolha pela profissão de paisagista, quais as dificuldades encontradas na época e o que mudou de lá pra cá.
Martha: Eu me apaixonei pela matéria durante a Faculdade. Foi uma questão de amor à primeira vista. Nunca tive dúvidas de que queria me especializar nesta área. Percebi que no Brasil não havia uma faculdade específica de Paisagismo, então comecei a fazer cursos extra-curriculares oferecidos também fora da faculdade, como o Curso de História do Paisagismo.
No último ano de estágio vim para São Paulo (morava em Campinas) para fazer o trabalho de graduação integrado, pois não precisava estar presente fisicamente nas aulas.
Na época, fui até criticada: "Nossa, você vai abandonar a Arquitetura?" Mas, com 21 anos, não nos importamos com as críticas e resolvi fazer o que o meu coração mandava.
Percebi que, para evoluir mais, precisaria estudar fora do Brasil.
Meu pai tinha 5 filhos e não poderia manter-me no exterior. Fui então a todos os Consulados tentando conseguir uma Bolsa. Foi quando vi nos jornais que a Fundação Brasil - Alemanha de Estudos estava oferecendo Bolsas para os países do Terceiro Mundo, denominação na qual o Brasil se encaixava nessa época.
Comecei a estudar alemão, (foram quase 3 anos). Fui para a Alemanha, (fiquei 1 ano e houve uma coincidência muito bacana: meu estágio foi na Universidade Técnica de Berlim. Em um ano pude participar de trabalhos muito legais. Um deles foi "Como melhorar a convivência entre pessoas e carros", em outro estudei o tema "Playgrounds", e na última etapa o tema foi "Ginásios de Esportes Aquáticos".
Voltei com muita informação. Aprendi muito, aprendi na vida também, quando me deparei sozinha, sem jamais ter viajado.
| Tive oportunidade de aprender mais, frequentar a Exposição Internacional de Arquitetura, em Berlim. No final de semana, pegava a bicicleta e visitava tudo. Então, este ano em Berlim - Alemanha, foi fundamental na minha formação. | | |
AuE Paisagismo: Acompanhamos alguns debates em relação a pouca visibilidade que a disciplina de paisagismo exerce no contexto acadêmico. Talvez os próprios alunos desconheçam este campo tão importante e próximo da Arquitetura. Na sua opinião, como esta situação pode vir a refletir no mercado de trabalho?
Martha: Creio que hoje o Paisagismo é matéria obrigatória nos cursos de Arquitetura. Mas antes não era importante. Há 30 anos não era. Por exemplo, nem todas as faculdades ofereciam o conteúdo.
No que se refere a disciplina na faculdade, dependendo do professor ou da ementa, pode ser que não alcance o objetivo. Esta seria uma das dificuldades. Tenho estagiários de Arquitetura e sinto que querem aprender, isto é um sinal positivo.
O lado prático eles não têm na faculdade, fazer um levantamento, usar os softwares e etc. E acabamos formando paisagistas em nosso escritório, temos estagiários de Arquitetura. Eu não trabalho sozinha, tenho 3 arquitetas associadas, Andrea, Caroline e Sandra, que trabalham comigo há mais de 17 anos. Esta parte de estar junto dos estagiários, de ensinar, eu credito a elas também, porque sozinha eu não conseguiria. Somos uma equipe.
AuE Paisagismo: Você pode dizer que forma paisagistas?
Martha: Ainda há poucos profissionais no Brasil, o mercado está estável, às vezes nosso estagiário é requisitado por outros escritórios, isto é motivo de orgulho para nós.
AuE Paisagismo: O seu tema de pesquisa é muito sugestivo, " muito além do pavimento térreo.." o que a motivou a pesquisar sobre este assunto, gostaria que nos falasse dessa experiência pessoal.
Martha: Em 1999, o escritório inteiro e eu, fizemos um curso de Gestão da Qualidade, era a época em que se começou a falar em Certificação e vimos que era preciso melhorar algumas coisas no procedimento do escritório, desde organizar check list, a organização do tempo e etc. Fizemos uma espécie de "terapia do escritório".
Toda quarta-feira reuníamos com Maria Angélica Correia, uma consultora muito presente até hoje no mercado de escritórios. E nós vimos que para este ciclo do projeto correto se fechar, precisávamos da opinião do usuário final. Não adiantava fazer o projeto e ficar ensimesmada no escritório. Sem saber o que dava certo e o que não dava.
Fiz o projeto vinculado ao escritório, para saber o que dava certo e o que daria errado. Como eu já voltava para tirar fotos para o book e mostrar ao cliente, senti que precisava organizar melhor esta volta.
Criei então um questionário que está no texto completo da dissertação.
Fiz o questionário em 1999, 2000 e 2001. Após as pesquisas fazia um gráfico e devolvia para o cliente. Isto teve um enorme sucesso, ninguém mais fazia.
O Secovi, na época, ainda estava começando a fazer este tipo de trabalho.
Em 2009 repetimos a pesquisa. Neste momento, vi que tinha um material muito valioso e que poderia transformá-lo em um trabalho de Pós Graduação, que já estava em meus planos fazer.
Já conhecia a Prof. Catarina, comecei e me sentir estimulada em estudar novamente. Adorei a experiência. Conheci outras ferramentas. Tive um imenso prazer em fazer o Mestrado. Pretendo fazer o doutorado. Meu plano de aposentadoria é entrar na área acadêmica.
AuE Paisagismo: Percebemos hoje o crescimento, principalmente nas grandes cidades, da demanda por áreas de lazer. Isso tem se refletido na demanda por projetos de paisagismo?
Martha: Eu não vejo crescimento, nas grandes cidades, desta demanda por área de lazer. O que aconteceu nestes anos todos, é que as áreas urbanas, ruas, calçadas, não são mais fáceis de usar como antigamente. Fui criada em São Paulo, jogava vôlei na rua. Hoje, mesmo nas ruas mais tranquilas, o carro toma conta do espaço.
Aquela vizinhança de casa, onde as crianças brincavam na rua, sentava na calçada, na verdade, tornou-se um prédio.
Eu concordo com o aumento da densidade urbana, de haver mais prédios próximos ao metrô, de grandes avenidas, dos corredores de ônibus.
As pessoas precisam morar perto de suas atividades cotidianas ou do transporte coletivo. A construção de mais prédios é válida se ela permitir a todos mais mobilidade.
Existem poucas praças bem mantidas. Muitas que têm manutenção devem este fato à vizinhança que tomou a iniciativa. Não existem parques suficientes. A área do térreo virou aquela rua em que eu jogava vôlei, falo de espaço.
A área de lazer dos prédios tem concentrado atividade de crianças e adolescentes. É uma área de integração, onde os pais se conhecem em virtude das crianças. Interessante é que, quanto maior o poder aquisitivo, menos a integração entre as pessoas.
Condomínios residenciais de casas ou residências unifamiliares necessitam um espaço que São Paulo não tem mais. Então tem que "colocar uma casa em cima da outra", ou seja, verticalizar. O térreo, a área de lazer faz a integração entre as pessoas, torna-se o quintal e a rua tranquila.
Coloco em minha Dissertação de Mestrado que, se a gente conseguisse em São Paulo os recuos abertos na frente dos lotes, poderíamos ter parques lineares nas ruas e, de pedaço em pedaço, mais áreas verdes em toda a cidade. Já tem uma área verde obrigatória, mais outra área verde e outra, você vai juntando estas áreas e vai aumentando.
AuE Paisagismo: A partir da sua experiência, como a Sra. percebe a presença do Jardim no Imaginário de seus clientes? Como se dá seu primeiro contato, existe uma regra ou algo especialmente valorizado no encontro com o cliente?
Martha: O que eu vejo é que as pessoas gostam de ter uma área de terra com um jardim. Este passado de quintal, de casa, está dentro das pessoas esta no imaginário das pessoas. Existem muitas pesquisas de mercado das construtoras, antes de lançarem o produto. Você vê, até nos lançamentos imobiliários, a foto da rua arborizada valoriza o projeto. Além de visualmente mais agradável, a sombra de uma árvore diminui em até 4 graus a temperatura.
Outro dia eu recebi uma pesquisa dizendo que o verde acalma, não é senso comum, é fato. Então, além do visual, de reduzir a temperatura, o verde produz calma, psicologicamente é importante. É inegável os benefícios em todos os sentidos: mental, emocional, psicológico, climático.
Em relação ao meu cliente, respeito muito sua opinião pessoal. Primeiro eu o ouço, depois vou visitar o lugar. Vejo a rua, como chegar lá, quem é o vizinho, se o vizinho é uma praça, é um corredor de ônibus. É fundamental conhecer o lugar e ouvir o que o cliente tem a dizer.
A partir daí eu proponho. Baseada em minha experiência, na avaliação da adequação ao uso. Geralmente surgem pouquíssimas alterações.
É importante propor algo a mais ao seu cliente, além do óbvio. Estou sempre atenta a inovações, assinando revistas estrangeiras, mas atenta às propostas mais adequadas ao custo.
Esta questão do custo é sempre muito importante.
Recentemente elaboramos o projeto para um Centro Comercial em Osasco, no qual o custo era muito importante. Tiramos partido de tintas coloridas. Procurei fazer algo bem diferente para ser destacado em relação ao padrão da região. Ficou bárbaro, totalmente adequado a expectativa e custos do cliente.
É importante nunca achar que tem todo o repertório, é se informar, viajar, estar sempre olhando.
Eu saio de bicicleta, aqui em São Paulo, observo tudo, detalhes, como postes, pisos, tudo que tiver ao alcance e diferente. Por exemplo, a forma como as pessoas usam os espaços. Eu viajo fotografando, tudo! Ainda agora estive em Porto Alegre e observei, por exemplo, que as pessoas usam a relva de forma diferente daqui.
AuE Paisagismo: Diante do que você colocou, penso sobre a profissão de arquiteto, essa relação do arquiteto paisagista. Você crê que existe um diferencial ser a formação do paisagista aliada à do arquiteto? Hoje o paisagismo é exercido sem esta exigência.
Martha: Esta é uma questão atual. Não adianta tentar resolver com legislação, problemas de formação profissional.
| Um projeto técnico completo de arquitetura paisagística tem um detalhamento, uma integração com todo o espaço, com todo o projeto arquitetônico. Tudo precisa estar intimamente detalhado: da fonte à luz, do banco à pastilha que reveste. | | |
Não é um curso de certificação de plantas que vai habilitar o profissional neste sentido mais amplo.
Eu cheguei a fazer um curso no Departamento de Botânica para complementar meus conhecimentos sobre vegetação, mas ter estudado arquitetura foi fundamental.
Manter-se atualizada também é importante. Uma atitude recorrente aqui no escritório é contratar profissionais para ministrar cursos em várias áreas, a cada 3 ou 4 meses.
Contrato palestras de formação de equipe, por exemplo: A Profa. Rosário, da USP, ministrou palestra sobre acessibilidade, prevenção de incêndio, rota de fuga. Acessibilidade requer muita atenção na hora de projetar e desenhar.
Outros cursos como Iluminação com Led, Vegetação. Além da minha equipe, participa o escritório de Raul Pereira e outras pessoas amigas da área de Arquitetura. A formação é intensa.
AuE Paisagismo: Como fazer para integrar o gosto do cliente com a obra arquitetônica e a seleção adequada de espécies botânicas em um projeto?
Martha: A minha experiência me leva a escolher a vegetação nativa. Pergunto ao cliente se ele gosta de tais e tais espécies e escolho. A vegetação nativa requer pouca manutenção e gosto de tirar partido de nossas plantas que são tão lindas. Mas, se o cliente pede outras, fazemos também.
| O importante no projeto é que esteja totalmente integrado com a arquitetura. Não Pode haver cisão entre as personagens: construção e arquitetura paisagística. É preciso uma relação saudável, formando um conjunto harmonioso e belo. | | |
Quando faço residência, ouço a opinião do morador. Uma vez uma cliente me pediu que não inserisse grama preta porque, quando criança, em sua casa havia esta grama e muitas aranhas.
AuE Paisagismo: Em 1989 surgiu o escritório Martha Gavião Arquitetura Paisagística e hoje após 23 anos o escritório possui uma carteira extensa de clientes, incluindo grandes construtoras. Como tem sido o olhar destas empresas com relação aos projetos paisagísticos?
Martha: Antes, na verdade, até 7 anos atrás, ainda se encontrava cliente que não sabia distinguir entre Arquitetura Paisagística e projeto de plantio. Hoje isto é exceção. O conceito no mercado é que existe uma área de Projeto de Arquitetura Paisagística. Por exemplo: há 7 anos o Centro Comercial de Osasco não contrataria um Arquiteto Paisagista.
Hoje, ninguém mais, mesmo em um projeto pequeno, deixa de contratar o profissional. Hospitais, shoppings, prédios residenciais. Já se sabe que este profissional vai planejar a circulação, a iluminação, a acessibilidade, onde esconder um hidrômetro etc. e como isto tudo vai funcionar.
A área das plantas é fundamental e já existe desde o primeiro traço, o primeiro croqui. O conjunto do projeto já é a parte final.
| Projeto paisagístico, muitas vezes, de forma bastante sutil, passa a ser mais importante até que o apartamento em si. | | |
Tenho paixão pelo que faço e gosto de divulgar a profissão. Muitas vezes sou convidada para palestras em faculdades e faço com o maior gosto.
AuE Paisagismo: Obviamente, a senhora acompanhou as mudanças no processo de trabalho dos paisagistas. Como a tecnologia tem ajudado na hora de desenhar e apresentar os seus projetos?
Martha: Nós usamos no escritório o AutoLANDSCAPE no projeto executivo. Temos muitas licenças. É fácil de usar e de ensinar. Todo mundo no escritório usa e participa. Mudou toda a questão do projeto executivo!
AuE Paisagismo: Conhecemos seu extenso portfólio com projetos magníficos, poderia nos falar e mostrar aquele que lhe deu maiores alegrias?
Martha: O que mais me comove é ver o uso do jardim que projetei! Um dia fui fotografar um projeto e vi uma velhinha caminhando por ele. Me emocionei! Assim como, em um condomínio de casas, vi uma mãe brincando na grama com a criança. Cada árvore que plantei em São Paulo me deixa feliz !
Quando eu procurava estágio na Alemanha, eu mandei 100 cartas. Recebi 3 respostas negativas e 1 positiva. Quando montei o escritório, anunciei em uma revista e enviei mais uma centena de cartas para possíveis clientes. Recebi apenas um retorno deste anúncio. Procurei a empresa que respondeu, fiz uma maquete para ela e, quando a expuseram, outras empresas vieram me procurar.
O importante é não desistir, nunca!
Martha Maria Ferreira Gavião
Martha Gavião Arquitetos Associados Ltda
(11) 3088-0033
R:Teodoro Sampaio 417 cj 13
Pinheiros - São Paulo/SP
CEP: 05405-000
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