Arquiteto Paisagista Mário Sérgio Soléo Scalambrino da Casulo Lares Vivos e Saudáveis
Autor: Regina Motta - Data: 05/03/2020
Nesta edição da Revista Auepaisagismo, cuja publicação teve início em 2004, sempre apresentando os paisagistas e demais profissionais da área de paisagismo, plantas, meio ambiente, tem o prazer de conversar com o Arquiteto Paisagista Mário Sérgio Soléo Scalambrino, da Casulo Lares Vivos e Saudáveis, São José dos Campos SP, que vai nos contextualizar sobre seu trabalho atual.
Auepaisagismo - Como começou o seu interesse pela área de paisagismo? O que o levou à decisão de escolher este caminho tão necessário à qualidade de vida das pessoas e ao bem do Planeta em que vivemos?
Eu estava no segundo ano da faculdade de arquitetura, havia acabado de me demitir de um emprego no shopping e decidido a me dedicar mais profundamente em trilhar um caminho que me completasse de forma mais ampla. Havia tinha lido o livro O Ócio Criativo, e estava entusiasmado com a ideia de trabalhar, estudar e se divertir ao mesmo tempo, e questionando o sistema do qual nosso tempo livre é demasiadamente escasso, além da idolatria ao trabalho.
Sempre gostei de usar artesanatos feito a partir de sementes, e passei a me dedicar eu mesmo a criar e produzir algumas peças: colares, pulseiras, brincos...além de ser o uma forma de posicionamento social em relação a toda a maré que classifica o que é sucesso, praticava também o exercício de manter a paciência, treinava minha criatividade, possuía tempo para os trabalhos da faculdade e tateava no campo do empreendedorismo enquanto autônomo.
Numa ocasião, produzindo colares com sementes de açaí, fiquei curioso sobre de quais plantas eram todas aquelas sementes. Foi quando tive um insight – iria me dedicar ao paisagismo dentro da arquitetura...
Bricolagem
A partir de então cursei uma série de cursos, da jardinagem básica ao paisagismo avançado, a maioria no IBRAP – Instituto Brasileiro de Paisagismo, em São Paulo.
No ano de 2005 tive a oportunidade de estagiar em um escritório de arquitetura paisagística em São José dos Campos – Cenarium Arte em Jardim - do qual me tornei sócio. Ali senti que havia feito a escolha certa em não me render apenas aos caminhos que oferecem recompensas estritamente econômicas. Tive consciência do papel e da importância do paisagismo, do paisagista e dos cidadãos na melhoria e manutenção dos ambientes saudáveis.
Composteira
Auepaisagismo - Houve dificuldades no início? Como as venceu?
As maiores dificuldades, inclusive que me levaram a repensar os serviços e a forma de prestá-los após 3 anos atuando com projeto, execução, manutenção e consultoria paisagística de forma intensiva, foram: a forte ligação da imagem do paisagismo com status social, com o desejo de se “possuir um jardim” bonito, mas quase inerte, que não dê trabalho, que não abrigue insetos, que não solte folhas, ou ainda que cresça da noite para o dia...
Hoje vejo que meu mergulho em diversas ecovilas, estações e institutos de permacultura me distanciava da prestação de serviço ligado aos desejos de alguns perfis de clientes em detrimento das necessidades do ecossistema local, onde as plantas exerciam um papel que não necessariamente de um ser vivo – que nasce, cresce, se reproduz e morre, e que depende, no mínimo, de água, alimento etc..
Pude perceber claramente o que podemos chamar de analfabetismo ecológico que praticamente assola toda o comportamento humano, refletido em o que queremos para nossos espaços livres.
No entanto, classifico essa percepção como o meu grande trunfo para trilhar o caminho do qual me dedico até hoje, o de usar o paisagismo (especificamente produtivo) como ferramenta de alfabetização ecológica, de educação ambiental.
Desde então, de 2008 pra cá, divido minha atuação do escritório com a docência em cursos livres e de graduação, o que ampliou meu leque de possibilidades e me oferece satisfação pessoal nas atividades profissionais.
Horta Mandala
Auepaisagismo – Conte-nos um pouco sobre seu trabalho em São José dos Campos. Quais as características marcantes do paisagismo nesta região?
De 2009 a 2016 residi no interior do Estado de São Paulo, em Capão Bonito, me afastando do mercado de São José dos Campos.
No retorno à cidade, percebo uma maior abertura e o aumento de profissionais, clientes e cidadãos que desejam usufruir dos benefícios que o paisagismo pode proporcionar no que diz respeito à melhoria do microclima local, do uso múltiplo das espécies, de forma a integrar plantas comestíveis e medicinais às composições.
Nosso escritório oferece projetos de arquitetura bioclimática integrado ao paisagismo produtivo e regenerativo, soluções em compostagem, consultas técnicas, cursos, oficinas, palestras e vivências, respaldados pelo selo Healthy Building Certificate, o Selo Casa Saudável, do qual somos certificados. (www.hbcertificate.com)
Estufa de alimentos
Há muito espaço para atuação na cidade e na região, com diversos empreendimentos imobiliários, gestores em Prefeituras e cidadãos percebendo que o paisagismo não se trata apenas de se embelezar ou criar canteiros, mas sim de saúde pública. Mas o caminho para o mundo ideal é longo! Ainda sofremos com a repetição do padrão do excesso de impermeabilização, com a aversão a árvores nas calçadas e quintais, com a pouca diversidade no uso de espécies e com o uso indiscriminado de adubos sintéticos e herbicidas, ficando longe ainda de ser um motivo de preocupação ou incômodo por parte da grande maioria dos cidadãos.
Muitos colegas têm se unido para sensibilizar e ampliar a valorização da atuação dos profissionais ligados ao paisagismo!
Banco de sementes
Auepaisagismo: Você é usuário do PhotoLANDSCAPE e do AutoLANDSCAPE. O que mudou em seu fazer paisagístico com o uso dos softwares?
A agilidade e qualidade que os softwares proporcionam para que possamos representar as soluções para os espaços e clientes é de muito valor!
Em relação ao PhotoLANDSCAPE, a fotomontagem permite que se visualize o resultado esperado (mesmo sabendo que na paisagem toda certeza é descartada, conforme diz o paisagista francês Gilles Clement), gerando uma tranquilidade e segurança para os próximos passos de orçamento e implantação.
Já os principais benefícios do AutoLANDSCAPE, na minha opinião, estão no fato de se poder filtrar espécies conforme as necessidades de cada local com muita facilidade, auxiliando em pesquisas para a escolha da vegetação, além de se obter tabelas e orçamentos com muita facilidade e rapidez!
Auepaisagismo: Imaginamos que todos os projetos são caros ao seu criador, mas há algum que lhe deu maior sentimento de realização?
Hoje, mais do que projetar, nos dedicamos a co-criar as soluções em conjunto com os usuários, baseado na visão da ecologia, da sustentabilidade, da resiliência e da saúde integral.
Para isso, criamos um curso e vivência denominado Jardins para a Transição, e temos nos dedicado a atuar no que chamamos dos Jardins Internos – uma forma de sensibilizar e capacitar os participantes, proprietários e clientes para que sejam os paisagistas e jardineiros, caminhando para uma autonomia em relação ao manejo dos seus espaços associado aos princípios da permacultura: cuidado e respeito, produção local e agroecológica de alimento, compostagem, infraestruturas de baixo custo e de baixo impacto; tais como tintas naturais, sistemas de captação e armazenamento de águas pluviais, saneamento ecológico, dentre outras soluções.
Adubação verde - horta mandala
Nesse sentido, destaco o jardim produtivo do plantão de vendas do loteamento agroecológico Recanto da Baronesa.
Além de fazer uso das soluções citadas acima, nascendo de uma espiral de ervas feita de rachão da obra, que se amplia com um maciço prateado de peixinho da horta contrastando com vinagreiras cor de vinho como fundo, o jardim é o ponto de conexão entre corretores de imóveis e clientes para que possam refletir em como nos distanciamos dos nossos alimentos e, especialmente, em como podemos ser parte da solução por meio de nossos próprios quintais e hábitos.
O jardim abriga cerca de 50 espécies, sendo todas comestíveis ou medicinais, servindo também como fonte de chás para serem servidos aos que trabalham e visitam o local.
Loteamento
Auepaisagismo - Qual seria a sua recomendação para os iniciantes que se decidem pela bela profissão de embelezar o planeta e, em consequência, valorizar o ambiente das cidades.
O desejo dos clientes é importante, mas a ética com o equilíbrio do ecossistema local é mais! Associar a prestação de serviço com a conservação dos recursos naturais e melhoria do microclima local é o melhor negócio do qual podemos mirar.
Projete e implante um jardim produtivo e agroflorestal em seu quintal ou outro espaço que seja possível, como seu laboratório ao ar livre. Resista ao desejo de controlar e perceba o paisagismo como uma possibilidade de reconexão com as leis naturais que regem nosso planeta.
Não tenha pressa, semeie e plante em quantidade e diversidade. Cuide, aprenda. E, mesmo que uma árvore esteja doente, não deixe de apreciar todo o restante do seu jardim (interno e externo).
Jardim produtivo - Plantão de vendas
Veja o projeto
Recanto da Baronesa - loteamento agroecolgico
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