Escolas de Portugal sofrem com desmate ilegal e falta de fiscalização ambiental
Autor: Camila Fonseca - Data: 01/09/2011
Em Portugal, obras de melhoramento de algumas escolas foram apoiadas pelo Governo. Sendo assim, aproximadamente 1/3 das instituições receberam ampliação das áreas verdes. No entanto, alguns meses após o início das obras, as árvores foram "mutiladas" por falta de fiscalização. O crime ambiental desvalorizou o projeto de reabilitação, que somente na Escola Secundária do Cerco, em Porto, onerou em 8 a 10 milhões de euros. O Arquiteto Paisagista responsável pela obra, João Serro, explica como foi o processo.
AuE Soluções: Como foi a fase de desenvolvimento do projeto paisagístico nessas escolas?
João Serro: A proposta para a requalificação paisagística destas escolas passou por aumentar significativamente a área permeável, bem como o número de árvores, arbustos e manchas herbáceas, oferecendo a oportunidade aos alunos e utilizadores, um contacto mais próximo com a natureza; assim como uma melhoria nas condições de trabalho e lazer. Essa atitude levará a uma melhoria das condições de trabalho e lazer na escola, do ponto de vista ambiental. A proposta prevê o aumento de biodiversidade vegetal e captação de fauna (aves e outras), melhoria da qualidade do ar, criação de espaços cénicos e redução da poluição sonora.
O que antes era um exemplar com 25 metros, hoje é um tronco com 3 metros de altura.
Imagens de João Serro
As áreas de recreio, de enorme importância, são espaços de criação do gosto de interagir com o meio e com os outros, devem induzir ao jogo e à criatividade e ser diversificados para permitir a resposta simultânea a diferentes idades, interesses e atividades, sempre em contacto com elementos naturais. Pretende-se, pois, promover diferentes atividades, tanto de recreio ativo (corrida e jogos), como recreio passivo (espaços para conversar, ler, estudar); e também melhorar o panorama visual de dentro do edificado para os espaços exteriores.
A segurança, a resistência dos materiais, a facilidade de manutenção e a pouca necessidade de recursos hídricos condicionou a selecção das espécies, bem como o comportamento e qualidade da vegetação, a funcionalidade dos novos espaços verdes de estadia e o sucesso das plantações.
Imagens de João Serro
Na sequência do que foi referido anteriormente, podem sintetizar-se os aspectos fundamentais que determinam a solução final:
- Trabalho conjunto, desde a fase de estudo prévio, entre Arquitectura e Arquitectura Paisagista, por forma a alcançar uma solução global e coerente, entre o edificado e os espaços naturalizados.
-Valorização dos espaços exteriores com vista a melhoria das condições de vivência no local.
- Capacidade de adaptação das espécies vegetais propostas, tendo em conta as condições edafo-climáticas e as particularidades inerentes de uma escola secundária.
Imagens de João Serro
AuE Soluções: Quantas escolas receberam a ampliação de áreas verdes?
João Serro: A Parque Escolar E.P.E., empresa pública, iniciou em 2007 a requalificação e modernização de cerca de 300 escolas secundárias. Concluiu o trabalho em cerca de 150 a 200 escolas. Ela revela que 1/3 das escolas receberam ampliação das áreas verdes.
AuE Soluções: Quais os benefícios que este novo espaço poderia ter trazido?
João Serro: Tal como nos princípios do Urbanismo, onde o espaço livre deve ser projectado e executado como estrutura urbanística primordial, também o espaço livre de uma escola deve ser considerado como um local privilegiado de convívio social e de aprendizagem, criando um ambiente propício aos deveres sociais da escola e promovendo a cidadania dos seus alunos.
| A presença de árvores de grande porte na escola é fundamental para criar esse bom ambiente, para além de serem os maiores seres vivos e as mais complexas plantas presentes na escola, contribuem para a melhoria da qualidade do ar, oxigenando-o, retendo as partículas poluentes, abafa ruídos e auxilia nas oportunidades de sombra. Além disso ameniza o efeito "ilhas de calor" e protege os edifícios contra os raios solares mais fortes, contribuindo, assim, para a sustentabilidade energética dos mesmos. | | |
Imagens de João Serro
AuE Soluções: Foi feito algum planejamento prévio para que não ocorressem problemas de infraestrutura?
João Serro: O planejamento incluiu medições rigorosas às dimensões e ao estado fitossanitario da árvore, para poder ser envolvida pelo edifício. Sabia-se que a árvore, por ser caduca e libertar as folhas no inverno, poderia oferecer problemas ao escoamento das águas do edifício, o que implicaria algumas limpezas durante o período de queda das folhas. Havia também indicações no projecto para que as folhas libertadas por elas fossem depositadas em locais de compostagem, para posteriormente ajudarem na fertilização do local. As árvores caducas existem muito antes de nós, e tivemos que aprender a lidar com elas e a limpar os seus resíduos, mesmo em meio urbano. Por esse factor, parece-me irracional o argumento utilizado pela Parque Escolar, o qual justifica o corte severo das árvores, pelo facto destas libertarem as suas folhas e causarem problemas no escoamento das águas nas coberturas dos edifícios.
AuE Soluções: Existe algum procedimento alternativo ao desmate para conter os problemas que foram alegados pela gestão da escola?
João Serro:Definitivamente. Poderia ter sido aplicada uma solução arquitetonica, como, por exemplo, uma rede que envolvesse a árvore e impedisse que as folhas cobrissem os ralos das coberturas. Decidiu-se por cortar essa e outras árvores de grande porte da escola sem consultar os projectistas, que poderiam ter sugerido alternativas mais saudáveis(ou menos radicais).
Imagens de João Serro
AuE Soluções: Qual a importância para sociedade em manter um espaço verde bem preservado?
João Serro: As escolas são, em si mesmas, micro-sociedades que reproduzem, a uma escala menor, o que se passa no mundo que as rodeia. Num país onde a árvore é tratada com desprezo, não poderíamos esperar que as escolas fossem uma excepção. Mas deveriam ser, porque são espaços onde se procura educar para uma sociedade melhor. Uma sociedade, por exemplo, que respeite o papel das árvores em meio urbano. Não basta comemorar o Dia da Árvore e promover a escrita de composições, poemas ou desenhos que glorifiquem este bem. Tudo isso é irrelevante se, aos olhos das crianças e jovens, as árvores são decepadas e transformadas em monstros disformes. É assim para um adulto. Mas, para uma criança, uma imagem, ou um exemplo prático, vale mais que um milhão de palavras (ou de boas intenções). O que diferencia este caso, de outros semelhantes, é que este acto bárbaro aconteceu na sequência de uma requalificação do recinto escolar que procurou, entre outros objectivos, salvaguardar e valorizar o seu património arbóreo.
Imagens de João Serro
Em entrevista à revista AuE Paisagismo, em novembro de 2008, o Engenheiro Agrônomo, Arborista Certificado pela International Society of Arboriculture, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana- no período entre 2006 a 2009 - e Analista de Meio Ambiente da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), Pedro Mendes Castro, deixa claro os benefícios da arborização Urbana: "As árvores urbanas são consideradas, hoje, um Serviço de Utilidade Pública, em virtude dos benefícios que proporcionam ao ambiente das cidades...Além disso, elas absorvem e retêm parte da água de chuva, contribuindo para evitar que essa água atinja as superfícies impermeáveis do solo urbano, causando enchentes nas partes mais baixas da paisagem. Outra contribuição das árvores se relaciona ao seqüestro de carbono, contribuindo dessa forma para a redução na velocidade de incremento do efeito estufa."
Veja, na íntegra, a entrevista sobre arborização urbana com Pedro Mendes Castro.
Endereço eletrônico de João Serro: www.joaoserro.com
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