O problema virou negócio
Autor: Anita Cid - Data: 08/03/2010
Por exigência da lei e pressão de grupos ecológicos, o mercado de estudo de impacto e gestão ambiental cresce como poucos no país
Iniciadas durante o governo Ernesto Geisel, as obras da usina de Itaipu geraram uma onda de orgulho nacional e tímidos protestos ecológicos. Na época, o país dispunha de frágeis leis ambientais, e a ditadura privilegiava apenas o potencial econômico das obras. Para tornar-se a maior hidrelétrica do mundo -- posto que só deve perder em 2009, quando o complexo de Três Gargantas, na China, estiver concluído --, Itaipu engoliu a cachoeira das Sete Quedas do Iguaçu e desalojou milhares de pessoas e animais silvestres. Se Itaipu ainda estivesse na prancheta, a história seria outra. No Brasil de 2007, como demonstra o licenciamento das usinas do rio Madeira, o bem-estar dos bagres e o risco de assoreamento nas bacias amazônicas podem atrasar projetos considerados vitais para pavimentar o crescimento do país.
Desde 1997, a lei determina que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) licencie todos os projetos que incluam dois ou mais estados, estejam em terras ou rios federais ou em áreas de fronteira. Em obras menos complexas, a licença fica a cargo de órgãos estaduais ou municipais. Nos últimos anos, as exigências legais, a pressão dos grupos ecológicos e a retomada de grandes projetos de infra-estrutura criaram um novo mercado verde para as empresas que produzem os estudos de impacto exigidos pelo governo, os EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental Relatório de Impacto Ambiental), e executam os projetos de gestão ambiental.
Apesar de não existirem cifras consolidadas sobre o setor, trata-se de um mercado que cresce ano após ano. Estima-se que ao longo da última década tenham sido criadas milhares de empresas de consultoria ambiental, a maioria de microempresários, e que dezenas de milhares de profissionais -- de engenheiros florestais a arqueólogos -- estejam em atividade no país. No Ibama, há hoje 980 pedidos de licença em fase de avaliação, um recorde na história. Não se sabe ao certo quantos projetos estão sob avaliação nos estados e nos municípios, mas trata-se de um número também em alta -- todos os postos de gasolina, por exemplo, precisam obter licenças ambientais estaduais.
O crescimento do mercado verde não tem passado despercebido de empresas que lidam com construção pesada, como hidrelétricas. Grandes companhias têm criado departamentos exclusivamente para tratar de assuntos de licenciamentos. Em alguns casos, o que era um serviço interno virou um novo ramo de atuação. "Desde 2005, nosso faturamento triplicou e deve chegar a 22 milhões de reais neste ano", diz o engenheiro José Ayres da Costa, diretor do CNEC, a divisão de engenharia consultiva e meio ambiente do grupo Camargo Corrêa. Criado por técnicos da Universidade de São Paulo, o CNEC foi incorporado pela Camargo em 1969 e é um caso raro de uma empreiteira brasileira que vende serviços ambientais. Seu portfólio inclui estudos para a Votorantim, como o projeto da usina de Tijuco Alto, entre São Paulo e Paraná, em fase final de licenciamento pelo Ibama. (Vale lembrar: Tijuco Alto aguarda licença há inacreditáveis 18 anos. E a Votorantim estima ter gasto num empreendimento que ainda não saiu do papel o equivalente a 20% do investimento total de 500 milhões de reais.) À medida que a escala das obras cresce, o preço dos EIA-Rima também sobe. A Odebrecht, que fez uma parceria com a estatal Furnas para o licenciamento das usinas do Madeira, afirma ter gasto entre 35 milhões e 40 milhões de reais com o estudo. "Os orçamentos ambientais aumentaram pelo menos 50% desde 2000", diz Sérgio Leão, diretor de meio ambiente da Odebrecht.
Os estudos de impacto são apenas uma das contas ambientais que recaem sobre as empresas. No longo prazo, os custos de gestão ambiental, que são implementados junto com o início das obras e visam reduzir seus efeitos negativos, tendem a sair bem mais altos do que os estudos de impacto. Nas hidrelétricas, os custos de gestão podem ultrapassar 10% do total do projeto -- no caso do Madeira, isso pode significar uma despesa de até 2,8 bilhões de reais. "Muita gente acha que a licença resolve o problema, mas a conta da gestão ambiental é para sempre", diz o geólogo Vitor Bellia, veterano no mercado, que há 23 anos fundou a Oikos, empresa líder do ramo que foi recentemente contratada pela Ferrovia NorteSul. Só a preservação de relíquias indígenas encontradas ao longo das obras da NorteSul já custou 8 milhões de reais. De acordo com Bellia, a falta de mão-de-obra é o maior desafio do mercado. "Está difícil achar engenheiros especialistas em recuperação de solos", diz.
Fonte:Portal Exame
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