Uma conversa com o Arq.Paisagista e Professor José Tabacow
Autor: Regina Motta - Data: 13/08/2016
A nossa entrevista de hoje começa com uma pequena história:
Há 20 anos, um jovem estudante de Arquitetura da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), tinha um projeto pioneiro e que parecia inalcançável: Fazer um software plug in do AutoCad que pudesse proporcionar aos paisagistas uma maneira mais ágil e moderna de representar os seus projetos, na época, feitos à lápis em intermináveis horas de trabalho.
Mas ele não era paisagista, era um estudante de Arquitetura, onde a matéria Paisagismo era mínima. Precisava da orientação de um profissional experiente, onde não havia, em uma cidade do interior de Minas Gerais. Tomou coragem e procurou alguns Paisagistas de renome internacional, Luciano Fiaschi, Benedito Abbud e José Tabacow!
Na ocasião do ENEPEA de 98, José Tabacow o recebeu em sua casa em Florianópolis e o orientou com a maior boa vontade.
O que distingue o "Grande Homem" não são apenas os títulos e realizações, mas a sua capacidade de não se deixar levar pelo sucesso, perdendo a sua humanidade. É o que mais se vê, entre os famosos profissionais de todas as áreas, não é?
E, graças à persistência do Aluno e a generosidade dos Mestres , hoje a AuE Paisagismo está aí no mercado nacional e internacional.
Depois desta "história" vamos conhecer um pouco mais do Mestre Arquiteto Paisagista José Tabacow:
No alto das montanhas de Pancas, ES, foto de Luis Cláudio Marigo
Arquiteto e paisagista formado na UFRJ, José Tabacow deu início a sua carreira como estagiário do internacionalmente reconhecido Roberto Burle Marx, o que foi um fator determinante para sua vida profissional e, com certeza, intelectual também.
Em www.vitruvius.com.br temos uma entrevista, podemos dizer, definitiva, com o Mestre. Mais informações sobre ele também em www.tabacowchamas.com.br
AuE Paisagismo: Nas várias vertentes de sua carreira, qual delas lhe traz mais prazer e realização: o magistério ou a criação de projetos?
São duas coisas para mim inseparáveis e complementares. Posso mesmo dizer que uma se alimenta da outra. Muitas vezes, ao preparar uma aula, veio a ideia para um projeto e já levei muitos projetos para a sala de aula como exemplo de alguma solução ou de uma dificuldade qualquer. Misturo sempre, e intencionalmente, as duas coisas.
AuE Paisagismo: Percebe nos alunos de hoje, um maior interesse e empenho pela carreira de paisagista?
Infelizmente, a resposta é Não! Claro que há interesse, mas parece que existe uma relação inversa entre a facilidade de descobrir a informação (internet, etc.) e a vontade de procurá-la.
Em sua maioria, os alunos de hoje querem uma informação objetiva, isto é, uma resposta que ele possa usar sem qualquer processamento interno. Se um aluno me pergunta que espécie de árvore é mais indicada para determinada situação, ele não quer filosofia ou conceito, quer o nome da árvore.
Se eu começo a explicar as possibilidades, eles tendem a ficar impacientes e insistir para que eu diga algum nome de árvore. E eu sei que, se disser, amanhã é muito provável que aquele mesmo aluno volte com a mesma pergunta!
Em meu modo de ver, o prazer da pesquisa (e da descoberta) meio que desapareceu nos dias de hoje para a maioria dos estudantes. Mas é importante que se diga, se quase todos estão se comportando assim, a falha deve ter origem na base, isto é, no ensino fundamental e médio.
O túnel de flores ficava na Via paralela, Salvador/BA. Mas foi removido por conta de um VLT
AuE Paisagismo: Tradicionalmente o ensino de paisagismo em escolas de Arquitetura tem muitas falhas, ainda é comum confundirem os conceitos de Paisagismo e Jardinagem? Existem avanços, casos de sucesso? Como é sua experiência neste campo?
Avanços sempre existem, embora possam ser lentos e graduais. Tudo depende da estrutura de ensino, de como as disciplinas de paisagismo se encaixam na grade geral do Curso e da postura pedagógica do colegiado e do professor. Adicionalmente, acho que deveria haver maior aproximação dos conteúdos e do que é passado aos alunos com o mercado de trabalho. E depende também do professor, claro.
O papel do verdadeiro professor é, no meu modo de ver, estar junto com os alunos, no mesmo barco! Quando os alunos sentem que o professor está com eles, em geral, desarmam-se e a troca se dá de forma mais eficiente. Se o professor entra em rota de colisão com muitos alunos, algo deve estar errado.
AuE Paisagismo: A questão ambiental está cada vez mais presente na nossa sociedade. Como você entende o papel do paisagista nas equipes que lidam com análise ambiental? Como você percebe a atuação dos profissionais no Brasil.
Os paisagistas, e também os arquitetos, estão perdendo oportunidades imensas quando não atentam para este "novo" segmento de mercado: planejamento de unidades de conservação, recuperação de áreas degradadas, estudos de impacto ambiental são opções muito interessantes e importantes.
Há países em que as equipes multidisciplinares relacionadas com estudos ambientais têm que ser coordenadas por paisagistas. E nos editais de licitações, já há a exigência de paisagistas nas equipes. Entretanto, os profissionais mais atuantes na área de projeto têm ignorado todas estas oportunidades, ao não se qualificar e especializar, ao não procurar cursos e participação em equipes que tratam destes problemas.
Fazenda Montealegre e fica no município de Paty do Alferes. Aliás, pertenceu ao Barão de Paty.
AuE Paisagismo: Existem ferramentas teóricas e metodologias para uma atuação profissional consistente dos paisagistas em questões ambientais?
Não que eu conheça, porque não há tradição cultural de participação de paisagistas nestas questões. Os trabalhos dos quais participei, nestas áreas, foram todos com caráter experimental, muitas vezes definindo com os próprios coordenadores das equipes como e o quê fazer, em termos de produtos dos estudos, isto é, colaborando na criação e definição de metodologias desenvolvidas ou adaptadas, em conjunto.
Sinto-me preparado para desempenhar estes papeis por conta de meu interesse pessoal. Minha tese de doutorado propõe metodologia e conceituações novas para algumas aplicações de análise ambiental.
AuE Paisagismo: Em 2011, quando ocorreram as tragédias em Teresópolis/RJ, alguns clientes em Portugal nos abordaram sobre o projeto de reparação da Paisagem, quem faria, como seria, se poderia ser divulgado na internet. Repasso a pergunta, atualizando até para a nossa última grande tragédia ambiental, com o rompimento das barragens de Mariana/MG. Qual ou como deve ser o papel do Paisagista nestes casos? Nossa formação profissional gera ferramentas para esta atuação?
Creio que já respondi, anteriormente e de certa forma, a esta pergunta. Entretanto, acho válido acentuar que os paisagistas precisam se preparar para participar destas questões, buscando principalmente as pós-graduações relacionadas com planejamento urbano, geografia, hidrologia, e outras correlatas.
Um exemplo que acho bem significativo é que a mesma ferramenta (SGI) que utilizei em análise ambiental, fazendo a monitoria das florestas ombrófilas densas na ilha de Santa Catarina, pode ser aplicada na prevenção e na correção destas catástrofes ambientais, identificando e mapeando áreas de risco e monitorando a dinâmica dos processos naturais ou induzidos pela ação antrópica. Mas arquitetos e paisagistas têm que ser muito autodidatas para poder trabalhar nestas questões pois estes conteúdos não costumam estar presentes nos cursos de formação.
AuE Paisagismo: Acredita que a tecnologia veio trazer mais facilidades para o profissional?
Sim, sem dúvida. A imensa possibilidade e rapidez para fazer simulações, usando tecnologia computacional é uma oportunidade indispensável à formação do paisagista.
Em todos os cursos onde lecionei, lutei para antecipar e liberar os programas de CAD, para que, desde logo, os alunos tivessem a oportunidade de simular situações com facilidade e, sobretudo, com segurança.
Esbarrei quase sempre no argumento falacioso de que arquiteto precisa saber desenhar à mão, praticar croquis, etc. Ora, uma coisa não elimina a outra. Ao contrário, até ajuda!
Nós, professores, somos co-responsáveis pela qualidade do curso. Temos que criar as circunstâncias em que os alunos vão precisar se expressar com lápis ou caneta, mas também propiciar o uso destas tecnologias voltadas ao projeto.
Certa vez um colega professor reclamou que havia proibido o uso de computador num trabalho, e que muitos alunos fizeram no computador e, depois, desenharam à mão, por cima. Respondi-lhe que eu faria o mesmo!
Não vejo qualquer razão para proibir o uso de ferramentas que 100% dos escritórios de arquitetura e paisagismo usam rotineiramente! É como pedir para alguém colocar um parafuso, porém sem usar chave de fenda!
AuE Paisagismo: O Centro Universitário Católica de Santa Catarina, a seu pedido, adquiriu o AutoLANDSCAPE e o PhotoLANDSCAPE na modalidade educacional que a AuE Paisagismo facilita para as escolas. O que nos diz sobre este uso?
Vamos começar a usar no próximo semestre letivo.
AuE Paisagismo: No seu imenso portfólio de projetos, existe algum que lhe seja mais querido, mais marcante? Por que? Gostaríamos de publicá-lo aqui, pode ser?
É sempre difícil este tipo de escolha. Mas tenho uma atenção especial para o projeto do Jardim Botânico de Maracaibo, na Venezuela. Este parque esteve abandonado durante décadas. Tudo o que fizemos por lá foi perdido. Mas recentemente, graças ao interesse do presidente da Fundação que mantém a instituição e à participação de duas arquitetas muito interessadas, a obra vem sendo restaurada, na medida das possibilidades.
AuE Paisagismo: A sua especialização em Recursos Naturais e Ecologia trouxe mudanças em seus projetos e na forma de criá-los?
Claro que sim. As adaptações naturais encerram inúmeras sugestões para resolver, de uma forma bonita, os aspectos funcionais. Não foi a toa que Pier Luigi Nervi se inspirou nas folhas da Victoria amazonica (vitória-régia), mais particularmente no mecanismo de flutuação, para propor o sistema estrutural da cobertura do Palazzetto dello Sport, em Roma. Mas não foi apenas por isso. Aquele curso ajudou-me, e muito, a fazer a leitura da paisagem, a perceber as forças e identificar os processos que a modelaram. Certamente esta compreensão ajuda e está presente nos desenhos e projetos de intervenção.
AuE Paisagismo: Será possível fazer um paralelo entre o Paisagismo da Era Burle Marx e o Paisagismo que é feito hoje?
Corro o risco de ser acusado de saudosismo. Mas vamos lá! O que nós aprendemos, os que passaram pelo escritório em todos aqueles anos, foi não aceitar fórmulas ou regras. Cada projeto, cada solução, cada proposta é tão individual como um quadro ou uma escultura. Assim, cada projeto, incluindo o método de resolvê-lo, implica numa solução individualizada.
Burle Marx tinha tanto pavor de cair em fórmulas que, quando mostrava algum quadro, desenho, projeto de sua autoria, não perguntava se achávamos bonito. Perguntava se achávamos diferente dos outros.
| Burle Marx tinha tanto pavor de cair em fórmulas que, quando mostrava algum quadro, desenho, projeto de sua autoria, não perguntava se achávamos bonito. Perguntava se achávamos diferente dos outros. | | |
Citava frequentemente Picasso: "Prefiro copiar os outros que a mim mesmo". Esta era a lição mais frequente, mais presente em tudo o que se fazia no Escritório.
Outra diferença que ficou foi sua preocupação em aumentar as possibilidades de expressão na composição vegetal dos projetos. Viagens de coleta, intercâmbio de mudas e sementes, troca de correspondência com colecionadores, tudo valia no sentido de se obter mais uma espécie usável em paisagismo.
Finalmente, a coerência ecológica, isto é, a compreensão das necessidades de cada planta, incluindo as características que a espécie tem nos habitats naturais agrega um valor cultural importante e coerente na leitura que se faz de suas propostas.
Acho que estas três preocupações fizeram a diferença entre seus jardins e propostas paisagísticas e o que se faz hoje. Para aceitar o que estou dizendo, basta verificar quantas espécies foram introduzidas em projetos por Burle Marx e quantas por outros paisagistas.
AuE Paisagismo: De tudo que ensina e recomenda aos seus alunos, o que julga mais fundamental e importante?
Minha maior preocupação é não interferir na individualidade do aluno, não o induzir a fazer o que EU acho certo ou bonito ou correto.
Meu papel é fazer com que cada aluno acredite em seu potencial criativo, em sua capacidade de projetar novas propostas, novos desenhos, novas soluções. E, claro, que use os conteúdos, informações e técnicas que lhes foram passados de forma crítica, analítica, sem aquela aceitação automática que tende a uma padronização.
Aliás, tenho medo deste termo e cuido para que os alunos pensem que não há uma maneira pré definida de projetar. As possibilidades de composição em paisagismo são tão importantes que ofereço, em média duas vezes por ano, um curso que denominei Prática do Projeto de Paisagismo. E comecei recentemente a escrever um livro, "Composição em Paisagismo" especificamente sobre esta atividade tão apaixonante como é a arte de projetar paisagens.
Parque Costa Azul, Salvador, BA
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